domingo, 13 de novembro de 2011

Se protestar não incomodasse, não seria protesto – A narrativa de um caso


Por André Andrade


     O ato de protestar é, sem dúvida, o ato de maior magnitude do ser humano. Exige coragem, conhecimento de causa e constância pelo que se defende ao ir à luta. Necessita ainda de extremo vigor para suportar a falta de bom senso daqueles que, afetados pelas consequências geradas por conta manifestações e pensando somente em si próprio, ao serem incomodados, agem de maneira hipócrita diante de tais circunstâncias.
     Aquele que protesta faz isso porque sofre alguma injustiça, não é assistido pelo poder público e chegando a uma situação de exasperação, busca reivindicar seus direitos como forma de amenizar as agruras que vem passando. Em coletividade, as ações reivindicativas são mais fecundas e incisivas no sentido de que em maior quantidade, o poder de interferência é maior, e por isso se torna impactante, alem de chamar a atenção da sociedade em geral, mesmo que o problema que motiva e desemboca no protesto não incida diretamente sobre os interesses da maior parte dos indivíduos que a compõem.
     Faz pouco tempo que vivenciei um fato interessante. Saia do trabalho, na cidade de Ubaitaba, em direção à rodoviária para poder pegar o ônibus e voltar para casa. Na chegada, me deparei com a BR 101 estagnada, cheia de veículos parados na pista e me veio logo a hipótese de ter ocorrido algum acidente. Suposição desfeita ao procurar saber com aqueles que estavam mais informados sobre a questão. Manifestantes fecharam a pista e reivindicavam do governo a melhoria da estrada de chão que leva até as cidades de Taboquinhas e Itacaré. Em péssimas condições, cheia de buracos, e intransponível em dias chuvosos, além do vandalismo que ali se instalou, a estrada é uma vicinal importante por ser um atalho de fluxo constante.
     Passados uma hora desde que havia chegado na rodoviária, circularam os boatos de liberação da pista por meia hora, provavelmente fruto de alguma negociação com a polícia federal presente no local e que percebendo a extensão quilométrica de automóveis na BR, devia ter pedido um tempo para os manifestantes e desta forma tentar administrar a situação. Diante da confirmação do boato, todos a bordo no ônibus, era o momento de aproveitar a oportunidade. Custou ao motorista encaixar o ônibus em meio a um trânsito abarrotado de veículos, cena comparável à da marginal Tietê, cena incomum por aqui por essas bandas.
     Aproximando-se do epicentro do protesto, enquadrou-se instantânea e involuntariamente em minha visão uma imagem fotográfica fabulosa, cujo título seria, caso conseguisse fazer transcendê-la de minha memória, Os Miseráveis Conscientes. As minhas vistas alcançavam uma caminhonete com sua carroceria cheia de homens, mulheres e crianças com enxadas e biscós em riste. Impressionante, admiravelmente impressionante. Toda aquelas pessoas ali, mobilizaram-se e imobilizaram uma rodovia chamando a atenção de todos pelo descaso o qual estão passando. Incomodaram, e por isso foram notados juntamente com seus problemas. Quietos em suas casas eram imperceptíveis e conviviam abruptamente com um problema que consumiam suas vidas então miseráveis devido às suas condições sociais.
     Ao passar em frente aos manifestantes, o passageiro sentado atrás de mim abre a janela e começa a xingá-los, difamando a todos  e mandando-os trabalhar ao invés de “estarem ali atrapalhando a vida de quem tem ocupação”. Deprimente. Existe algo mais dignificante do que protestar? O “trabalho digno” só faz manter a ordem que oprime os desassistidos pelas políticas públicas. O protesto é uma turbulência nas engrenagens da sociedade que, desmantelando-a, mesmo por algumas horas, nos fazem pensar que a estabilidade é uma corda frágil e que nada está certo e definido. Abalar a ordem é não concordar com o que está posto, é dizer que numa sociedade as condições justas de vida não estão ao alcance de todos. O ato de protestar é uma quebra das reificações, quando então biscós e enxadas rasgam as camisas de força que o Estado e a sociedade adestrada vestem seus indivíduos.
     A cena foi triste, mas era lógico isso acontecer, porque senão poderíamos julgar que as pessoas estão melhores. Além do mais, se não incomodassem, não chamariam a atenção das autoridades políticas. É difícil esperar a compreensão das pessoas e fazer com que reflitam sobre problemas que “não lhes dizem respeito”. Todavia, essa aula de contestação civil tem de ser analisada por outra ótica que não a do alienado, daí a necessidade de sociologar.

sábado, 5 de novembro de 2011

Saindo do Limbo

Este longo hiato devido às interrupções das postagens tem diversas desculpas. Elegeria o desgaste imaginativo como a principal delas. Foram muitos textos densos e polêmicos, às vezes sem noção, admito, mas tiveram outros com (des)carga bastante questionadora, insuflada de filosofia negativa. Este blog se tornou instrumento de verdadeira catarse para a sanha intelectual de garotos (kkk, tenho de parar de ouvir Leoni) que queriam expor ideias no mínimo descabíveis. Conseguimos? Oh maybe, maybe, maybe, como já cantarolava algum poeta tentando atingir o estado do Nirvana (acho que sem heroína). Expomos o ridículo, a insensatez, o grotesco, o incabível porque temos de propor alternativas reciprocas aos adjetivos a pouco listados e que regem em nossa depreciada realidade. Aliviamos-nos. Escrever é um gesto libertário, mas incerto. Não se sabe o que o efeito de suas palavras podem provocar. Ademais, outras ocupações vieram à tona e tivemos de dissuadir de nossos ofícios no blog. Almejamos agora sair desse limbo da blogosfera e retomarmos nossas atividades, pois esse silência ensurdecedor não pode perdurar ante os gritos inaudíveis do Panóptico Social. Textos em Breve!

domingo, 24 de abril de 2011

Desbravadores de territórios já desbravados

Por André Andrade



No século XVIII o filósofo Rousseau propalava que o primeiro homem que cercou um pedaço de terra e disse que era sua propriedade e encontrou pessoas que acreditaram nele foi o fundador da sociedade civil.” Não querendo entrar no mérito sobre a origem das desigualdades, assunto este que o pensador discute a partir desta colocação, aproveitaria a citação para se perguntar: e quando a cerca é imaginária, como faz?
Aqui no Sul da Bahia, ora ou outra mechem num assunto fétido que é a questão dos limites territoriais das principais cidades dessa região, Itabuna e Ilhéus. A fagulha da vez foi a chegada de empreendimentos que se estabeleceram na zona de conflito – onde se encontra o suposto limite entre as cidades. Todavia, tais limites não delimitam a tolerância dos chefes locais, e o que passamos a assistir é uma troca de farpas de ambos os lados preocupados em levarem para si o título de cidade em expansão, ou de forma eufemisticamente colocada, em desenvolvimento.
Ilhéus, capitania quando do período colonial, sobre a égide de ser a primogênita da região, chegou ao escrúpulo ( a partir da voz de seus representantes) de “desemancipar” a pródiga Itabuna, filha rebelde que desatou laços umbilicais com a Princesa do Sul e auto-outorgando o título real de Rainha, ousadia esta advinda do fruto de ouro, muito próspero nestas terras férteis livre da maresia corrosiva do mar.
A cutucada do tigre fez o Leão rugir alto e de forma estridente. A resposta veio de um deputado que faz parte de uma comissão estadual que trata de assuntos territoriais, detalhe que deixou as autoridades ilheenses em estado de preocupação. O respectivo deputado chamou a atenção para o abandono do bairro Salobrinho, pertencente à Ilhéus, anunciando claramente as intenções de estender o domínio itabunense até o destratado bairro, e porque não a Universidade estadual de Santa Cruz, real motivo que induziu o deputado a proferir tais palavras? O que dá tal ousadia a este deputado de anunciar essas pretensiosas mudanças é o status da cidade de Itabuna que atrai toda a população das cidades circunvizinhas devido ao “turismo” comercial, o que a torna imponente ante às suas vizinhas.
O grande imbróglio é que os interesses políticos, aliados aos interesses econômicos atiçam uma rivalidade local que não traz vantagens para nenhum dos lados, e muito menos pra quem fica na berlinda, o povão. Desde o declínio da produção do fruto de ouro, a região vive à deriva, sem rumo. Assiste-se apenas o tempo passar, intercalados com algumas trocas de farpas entre os notáveis. O que se vê é uma classe média, de mão de obra qualificada, aproveitar a rentabilidade econômica provinda dos assalariados engordarem suas contas. Assalariados custeados por empresas, cujas disputas políticas as fazem se sentirem como se estivesse cedendo um favor aos miseráveis grapiúnas.
A mudança dos limites não vai mudar EM NADA a situação da população local de baixo estudo: trabalhando em regime de exploração, ganhando salário minimíssimo, compondo famílias sem condições de dedicarem-se à educação de seus filhos, ou seja, são disposições estruturais que enrijecem a linearidade de vidas que irão somente “passar”. Enquanto que os nativos trocam tapinhas, os estrangeiros, bem acomodados no meio do fogo cruzado, lucram sem reverteram nada para beneficiar o nosso espaço. Caso pensem em alguma ação do tipo, provavelmente será o financiamento de um muro da discórdia porque com toda essa abstração, essas discussões não passam de uma piada lamentável.

sábado, 9 de abril de 2011

Ainda Bourdieu Vs Marx

Por Humberto Rodrigo

  De certa uma forma dando continuidade ao meu último texto  (http://panoptico-social.blogspot.com/2011/03/consciencia-de-classe-que-classe.html ) e ainda digerindo, em doses homeopáticas, a leitura de Bourdieu (O Poder Simbólico), me volto novamente à questão do poder e das lutas de classe. Só que desta vez não com o intento de discutir se é possível ou não uma luta unificada - de fato e de direito - das classes menos favorecidas ante as elites. Desta vez o intuito é analisar a relação de uma classe qualquer (seja ela a dos operários, das domésticas, dos jogadores de xadrez da esquina,...) com o líder sindicalista e o poder.
   Em "A Ideologia Alemã" Marx assinalou que todas as classes aspiram ao poder. Eu discordo do "velho" Marx, acho até que ele pode ter se equivocado. Fazendo uma decomposição das classes em sua unidade básica, o indivíduo, eu diria que a luta da classe não é pelo poder. Diria mais: na verdade eles são avessos ao poder. Estar no poder implica liderar, e para liderar é necessário tempo, disponibilidade, pulso, exercício intelectual, dentre outros, e é consenso geral que a imensa maioria das pessoas (nesse caso a classe em questão) não está disposta a todos esse "sacrifícios". Tudo que elas querem é uma vida razoavelmente boa. Uma vida normal, sossegada, com tempo para os seus filhos e para a sua casa; com o seu trabalho estável e a viagem de férias garantida, no final do ano; em uma expressão: desejam uma vida confortável (obviamente que terá aqueles que anseiam o poder, mas sim enquanto unidade básica, e não como classe constituída). E sob esse pano de fundo que entra em cena a figura do líder sindical.
  Quem é o líder sindical? Por vezes vemos que esse líder é o cara mais "estudado", o mais engajado no movimento, o que fala em nome da categoria. Em síntese: ele é a elite dos dominados. Bourdieu fazia referência a esse líder como "o porta-voz" do grupo. Em uma assembleia, ele é o grupo, se reveste do mesmo e o personifica. A figura do líder sindicalista ganha um status tal, que este é autorizado a falar pelo grupo. Pensemos, por exemplo, o líder do sindicato dos rodoviários. Agora pensemos na quantidade de pessoas que fazem parte dessa categoria e, consequentemente, quantas pessoas estão sendo representadas na pessoa do líder. Pensamos em quantas vozes estão se pronunciando quando ele abre a boca.
   Um outro ponto que merece ser observado é que na mesma medida que o líder é a voz do grupo, o grupo também pode vim a ser a voz do líder. Ora, como vimos, o líder é aquele cara que estudou mais, o que está na linha de frente da causa. É aquele que sabe a necessidade da classe. Munido do capital cultural (conhecimento), ele possui artifícios  o suficientes para exercer o poder de convencimento (este o mais legítimo poder simbólico) sobre os seus regidos.
   A relação classe X poder deve ser analisado tanto da vertente de baixo para cima, quanto de cima para baixo. É fato que muitos desejam o poder, entretanto vejo com certa cautela a idéia de que todas as classes anseiam o poder. Vejo na verdade, certa aversão ao mesmo.

PS¹- Não é intenção do texto, muito menos do blogueiro, deturpar o trabalho dos líderes sindicais, nem tampouco pó-los como meros manipuladores, e as classe regidas por eles como massa-de-manobra. Longe de generalizações, o texto tem por intuito abordar situações que, frequentemente, ocorrem no seio da sociedade.

PS²- Apesar de o título sugerir, nunca houve de fato algum tipo de "duelo" entre Pierre Bourdieu e Karl Marx. É bem verdade que existem alguns asteriscos do primeiro em relação ao segundo, mas nada que possa ser considerado como uma crítica ferrenha ou uma briga (pelo menos não no humilde conhecimento deste blogueiro). O que houve foi um confrontamento, por parte do blogueiro, das teorias de ambos.

domingo, 3 de abril de 2011

A irresponsabilidade manda e o Mosquito da dengue executa

Por André Andrade


Um grave problema endêmico que persiste em nosso meio e que tende a se agravar com a grande incidência das chuvas no verão é a dengue. Transmitida pelo Aedes aegypi, o mosquito “odioso do Egito” espalha a calamidade que mais atribula a vida da região pós-cacauicultora, depois da vassoura-de-bruxa. Certo é que todo ano existe essa apreensão de se viver uma pandemia regional devido aos altos índices de infestação do mosquito, todavia, quem provoca a possibilidade de reprodução do mosquito não deveria ser a verdadeira responsável por essa situação?
O mosquito é um bichinho irracional que por instinto, se alimenta de algumas gotículas humanas, e carregando o vírus da dengue, devido a sua condição genética, involuntariamente transmite o vírus da dengue. Quem permite a possibilidade de reprodução do vetor da dengue, deixando acumular águas em recipientes abandonados nas ruas, quintais e terrenos baldios é o chamado Homem da Sapiência. A ausência de escrúpulo de quem joga garrafas de bebidas pelas janelas dos ônibus, que deixa tonéis de águas descobertas, ou joga recipientes em terrenos abandonados propicia a formação de assassinos irracionais que matam sem culpa, sem consciência.
A proliferação do mosquito é a conseqüência da absurda irresponsabilidade humana que já se cansou de ouvir dos perigos da doença, mas que insiste em intentar negligentemente contra a própria vida. Estamos combatendo o inimigo errado. Temos de atentar contra a falta de consciência das pessoas. A figura do mosquito disfarçado em nosso meio em uma roda de samba, por exemplo, é uma forma errada de pensar o problema, e desencadeia uma forma errada de combatê-la. O alvo não é o mosquito, e a irresponsabilidade humana.
Deve-se fazer uma campanha em que demonstre a fonte primária do surgimento do mosquito, e atinja desta forma a consciência das pessoas. Deve-se também mostrar os resultados das faltas de responsabilidades tendo como maiores conseqüências a morte das pessoas, mostrando que evitando o acúmulo de água em recipientes, ou seja, gestos ínfimos podem fazer com que mortes possam ser evitadas.
Estamos numa guerra no qual os irracionais são os mandantes propiciadores do surgimento dos mosquitos, simples executores que agem por instinto, por bom senso da natureza.

domingo, 27 de março de 2011

As Ilusões Perdidas de Honoré de Balzac - A força da Pena


Por André Andrade

Antes de iniciar, gostaria de deixar claro que não pretendo ser aqui um crítico literário. E a prova disso é que ninguém que pleiteie tal mérito inicia sua carreira falando de um clássico como Ilusões Perdidas, do vociferante Honoré de Balzac. A maestria com que este grande escritor descreve o poder devastador da mídia de sua época é um ponto marcante dessa obra, e que entre os diversos assuntos abordados, é a que mais transparece a raiva pessoal do escritor para com esta corja  de assassinos da arte. Esse é o foco deste texto, o poder exercido pela mídia desde seus primórdios, segundo Balzac.
Em linhas gerais, a obra, que faz parte de uma grande coletânea de narrativas intituladas A Comédia Humana, narra a história de um poeta que também escreve prosa nascido na provinciana região da França, a cidade de Angoulême, e que por isso mesmo não vê um futuro brilhante caso não se arrisque a tentar vender sua arte na capital parisiense. A vaidade é a marca de Lucien Chardon, que por ser pobre, não esconde seu desejo de atrair para si fama e riqueza. Ao chegar em Paris, Lucien se vê abandonado por aquela que lhe prometeu ajuda em Angoulême, uma instruída mulher que também tentar ascender dentro da linhagem nobre, planos estes cuja ligação com Lucien somente atrapalharia seus objetivos. Renegado, humilhado ante a “Alta Sociedade” e com dificuldades financeiras, Lucien arrisca sua genialidade de escritor aventurando-se nas redações dos jornais. Ele faz amizades sinceras que o aconselham a esperar, a não se corromper em um meio tão imundo como o midiático, conselhos que ele dispensa pelo fato de sua ansiedade, alimentada pela vaidade desastrosa, não deixar que ele perca mais nenhum dia vivendo em miséria.
É claro que a história não se resume a Lucien Chardon, todavia, para nosso intento, esta breve colocação já basta para nos situarmos na crítica mais ferrenha que Balzac tece em sua obra. Em sentido amplo, duas frases contidas no livro podem nos dar uma visão estrutural da obra: “A inteligência é a alavanca com a qual se move o mundo. Mas uma outra voz gritava-lhe que o ponto de apoio da inteligência era o dinheiro”. Essa é a peleja das personagens pobres da história, tendo genialidade de sobra, lhes faltavam dinheiro para apoiarem tamanho talento.  O que o nosso poeta provinciano foi procurar em Paris querendo achar logo de imediato foi reconhecimento e apoio$. Não conseguindo no tempo hábil que planejava, e vendo suas economias evaporarem, foi a procura de algum redator que lhe concedesse espaço em algum jornal para sobreviver.
É a partir desse acontecimento, o ingresso de Lucien na área jornalística, como crítico de peças e de livros, é que Balzac expõe o poder de uma mídia corrupta, que não tem apreço pelo material que se analisa, e sim pelo preço que pagarão pela crítica. Como resume a fala de Loustoeau, jornalista que introduziu Lucien no jornalismo, a seu pedido, “a polêmica é o pedestal das celebridades”. O inocente Lucien, que alimentava um alma de poeta, não conseguiu entender este mundo escarnecedor retratado na narrativa balzaquiana, e foi por não entender que sucumbiu (a volta de Lucien a sua cidade natal  é de uma humilhação indescritível, aliás, descritível somente por Balzac).
Todo artista, escritor, atores e atrizes, donos de teatros, tinham de manter um forte vínculo com algum jornalista, vínculo este mantido por um jogo de barganhas. Aqueles que se negassem a tal empreendimento teriam suas obras, suas artes desqualificadas nas letras da imprensa. O público então respondia com a repulsa à obra, cuja leitura dos jornais lhes indicava as orientações das melhores artes a serem apreciadas, e as piores a serem desamparadas, ou seja, aquelas que os jornalistas queriam que fossem aceitas ou desprezadas. O efeito das colunas dos jornais era instantâneo. Uma peça de teatro da alta qualidade poderia ser transformada à força da pena na pior espécie de peça que já existiu. E uma peça de baixa qualidade poderia ter seus salões lotados, conforme a força da pena. Então era assim, as pessoas não apreciavam a arte, mas a opinião do jornalista.
Efeitos mais devastadores se encontravam no mercado editorial. Ao custeio para edição de livros os editores tinham de somar os custos com o jornalista que teceria a “crítica”. O editor que não aceitasse a barganha veria seus investimentos afundarem com os livros parados nas prateleiras das livrarias, processo este que poderia ser revertido com a aceitação das condições impostas ao editor. O próprio Lucien conseguiu extorquir um certo editor que não queria aceitar ler e editar sua coletânea de poemas, As Margaridas. Na loja do editor não foi sequer percebido, todavia, com o poder da pena, fez o negociante de livros se deslocar de sua loja até o jovem poeta pedir que o mesmo revertesse a crítica que fez o seu mais recente lançamento congelar nas estantes.
O pior de tudo era a possibilidade da impessoalidade que o jornal permitia. Balzac resume de forma simples e completa todo o espírito dilacerante dos jornais: “em vez de ser um sacerdócio, tornou-se um meio para os partidos; e de um meio passou a ser um comércio, e como todos os comércios, não tem fé nem lei. Todo jornal é uma loja onde se vendem ao público palavras com as cores que ele deseja. Se existisse um jornal de corcundas, dia e noite provaria a beleza, a bondade, a necessidade dos corcundas. Um jornal não é feito mais pra esclarecer, mas para adular as opiniões. Assim, todos os jornais serão em um dado tempo covardes, hipócritas, infames, mentirosos, assassinos, matarão as idéias, os sistemas, os homens, e por isso mesmo florescerão. Napoleão justificou esse fenômeno moral ou imoral, como desejarem, por meio de uma frase sublime, ditado por seus estudos sobre a Convenção: ‘os crimes coletivos não comprometem ninguém’. O jornal pode se permitir a mais atroz conduta, ninguém sairá pessoalmente maculado”.
Esse é um ponto do romance em que Balzac deixa transparecer toda sua raiva pessoal para com a Imprensa. Ele que sofreu com esse jogo de barganhas, vendo seu talento às dependências de picaretas dos jornais, quis transpor toda essa realidade da modernidade para a literatura, denunciando todo poder de manipulação que os jornalistas passaram a concentrar em suas mãos. Isso em pleno século XIX, auge da Indústria, da mecanização da produção em larga escala, época esta em que a arte se curvava à vontade da pena do redator, não importando se aquele cria ou se este somente faz destoar da situação.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Consciência de Classe? Que Classe?

Por Humberto Rodrigo

“A história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história da luta de classes.”. É com essa célebre frase de se dá início ao primeiro capítulo de O Manifesto Comunista (obra mais de Marx que de Engels). As classes às quais Marx se refere são burguesia e proletariado. Estas, viveriam – ainda segundo o nosso autor – em constante tensão. Mas o que Marx parece não ter percebido é que a briga não é apenas entre burguesia e proletariado. A briga mais intensa, talvez, ocorre intraclasses.
A coerência do pensamento marxista (aqui usado referindo-se diretamente ao autor e não à grupos humanos que se alcunham como tal) é sem dúvidas fantástica: as relações de opressão apontadas por Marx criaram um grande mal estar na zona de conforto em que a burguesia se encontrava. A grande base de fundamentação de suas teorias baseava-se no conceito das lutas de classes. Mas Marx deixa a desejar é quanto a briga interna das classes. Explico: o “povo” não quer ser visto como “povo”. Bourdieu, em O Poder Simbólico, já nos traz a briga que cada classe tem para buscar a sua diferenciação. Enquanto aquele pensou a sociedade como bidimensional, dividindo-se apenas entre burguesia e proletariado, este a vê como uma organização multidimensional. Em Bourdieu já não se fala mais em classes sociais e sim em campo e sub-campos. Pela sua divisão dicotômica, Marx vê a classe social como algo uniforme onde todo o substrato burguês pensa única e exatamente de uma forma e por outro lado, o substrato proletariado, também pensaria de maneira uniforme. Não. Perdoem-me a redundância, mas se estamos falando de classes sociais, estamos falando de pessoas. Apesar de sua genialidade, o autor alemão não se deu conta de que os seres humanos são vaidosos por natureza, a diferenciação lhes dá um ar de superioridade, como o médico que não quer fazer o trabalho da enfermeira, nem esta o papel da técnica de enfermagem, apesar de as funções de todos eles serem relativamente próximas umas das outras. E nada mesma medida que isso se deve pela diferenciação profissional, tambpem se dá no campo do ganho simbólico do “nome” da profissão. Isso é possível ser localizado até programas lúdicos, como o próprio seriado Chaves onde o cenário é uma vila pobre na Cidade do México. Todos têm mais ou menos a mesma condição financeira, no entanto o discurso de Dona Florinda em referência à Seu Madruga é: “Vamos tesouro. Não se misture com essa gentalha.” Na concepção marxista tal fala não seria possível uma vez que ali é o proletariado falando para o proletariado. Marx vê o proletariado como um bloco uniforme, e aí está o seu erro.
A idéia de se fazer uma revolução à moda antiga bipartindo a sociedade entre os que têm os meios de produção e os que não têm, se mostra deveras superada. O conceito de habitus também proposto por Bourdieu é que mais se encaixa no que vemos hoje de sociedade. Não há sentido em dividir a sociedade em dois blocos, sendo que não há uniformidade entre eles. Proletariado não é só proletariado. O erro de Marx foi subestimar a capacidade de sonhar e de se diferenciar, existentes no seio da massa. Com pensamento tão heterogêneo e com uma diversidade de sub-campos ocupando o mesmo habitus de uma “classe” acho cada vez mais difícil ver a sugestão do Marx, ao final do livro, se cumprir: “Proletários de todo o mundo, uni-vos”.

sábado, 12 de março de 2011

As dores do Mundo

Por André Andrade


Meu olhar andarilho esbarra-se nas esquinas
Encontra pessoas acomodadas no chão e sob o teto estelar
Um olhar que caminha transpondo o que se vê
Mas não deixa de olhar para trás e se perguntar por quê?

Um palhaço sobe no ônibus e clama atenção
E com um sorriso forçado nos conta sua tristeza
Triste criatura que depende da caridade alheia
A pervesidade do acaso lhe impôs esta condição

As vezes, dá um aperto no coração
De pensar no infortúnio das pessoas
Do sofrimento diário, dessa esperança libertina
Que já não esconde o futuro sem novidade

Por vezes, há de endurecer o frágil coração
Para que não nos desesperemos
Diante desta situação que suga a lucidez ao fundo
Fundo de chão rachado, sertão no mundo

A terra de gente seca invoca aos céus
Por respostas de porque não ter o que comer
A ponto de retirar-se do solo batido
E encarar o asfalto áspero com os pés carcomidos

Um rapaz pede ajuda, uma intera para a graxa
Fazer brilhar os pés do cliente, curvar-se à vaidade
Para juntar dinheiro, e comprar uma sandália
Anda a cidade toda, fugindo da miséria
Que faz ponto nas esquinas
Ignorando a arrogância dos viventes
Perseguindo sem tréguas os que teima em sobreviver

Um pequenino a guiar um cego pede licença
Educado menino que demonstra a feitura das pessoas
Seres movidos por vaidade, repulsiva vaidade
Que só a terra há de aceitar sem regugitar.

Meu eu-lírico digladia-se com meu eu-mundo
Por que tem sido assim?
Por que Eros prevaleceu
E o Ágape empalideceu?

Essas dores errantes, atravessando nossos olhos
A todos instantes, perâmbulos afoitos
Sem achar a razão dessa situação dilacerante.

quinta-feira, 10 de março de 2011

De quem foi a culpa? Ah, foi do Carnaval.


 Por André Andrade


Sei que foi bom, que já passou, mas ainda estamos em tempo de falar do carnaval, e não, eu não pulei carnaval. Na verdade não é sobre carnaval que quero falar, quero falar de uma coisa que foi muito intensa nesse primeiro bimestre, e que traz como conseqüência o carnaval. Primeiro, vamos aos fatos.
No início do ano todos nós acompanhamos a tragédia na região serrana do Rio de Janeiro devido a uma grande incidência das chuvas em um curto período de tempo. Tal catástrofe provocou deslizamentos de terra, inundações e outros transtornos que ceifou a vida de centena de cariocas. Todo o mundo acompanhou aos fatos chocados com as notícias que abriram o ano contrariando nossos pedidos de esperanças e felicidades para todos.
As explicações acerca das catástrofes da natureza não tem boa aceitação para boa parte da razão popular. Todavia, o que me assustou foi o fato de ter imputado a causa desta tragédia ao carnaval, sendo que faltava ainda cerca de um mês e meio para as festividades começarem. Não sou carnavalesco, tenho pavor de multidão e não estou defendendo, muito menos se desfazendo do mesmo, mas essa conexão que as pessoas fazem entre fenômenos naturais e festas profanas e castigo do sagrado é uma construção mental muito curiosa.
Essa curiosidade no Brasil se torna singular por causa das enchentes no sul/sudeste que ocorrem sempre em fim e início de ano. Geralmente, é São Paulo que se destaca nesse quesito. As cidades paulistanas nunca estão preparadas para as chuvas de verão que cuja pluviosidade todo ano é constante nos mesmo meses, ou seja, tem-se bem formada a idéia de quando vai chover muito e provocar todos os transtornos que vamos continuar a ver enquanto o PSDB não tomar medidas drásticas no cenário paulistano. Curioso é que isso acontece no período que se aproxima do carnaval, o que “justifica” a equação pensada pelo senso comum: carnaval = tragédia.
Somam-se a esses fenômenos os incêndios ocorridos na cidade do samba que destruiu boa parte do material de algumas escolas de samba. O clímax disto tudo foi o caso do trio que recebeu uma descarga que matou cerca de 15 pessoas no momento que o bloco de pré-carnaval fazia a folia das pessoas em Minas Gerais. Além disso, temos os fenômenos secundários que aumentam nesse período como os acidentes nas rodovias, e que o povo teima a justificar: - é culpa do carnaval.
Engraçado, na Austrália tem carnaval? Não sei. Digamos que sim, e perceberemos que a lógica popular não bate: lá teve enchentes provocadas pelas chuvas concomitante às do Rio. Digamos que não, e a lógica mesmo assim não engrena: lá morreram dezenas, e não centenas como aqui.
Então, o que acontece é muito intrigante: as pessoas estão deixando de pedir justificativa ao poder público, e culpando o carnaval. Mais do que isso, se renderam a esta culpa.
Sei que não se pode evitar as fatalidades, mas as explicações sobrenaturais estão invadindo nossas vidas de tal forma que penso diante da iminência de uma nova idade média, e mais forte (ideologicamente) do que nunca.
Em Itabuna, acabaram com o carnaval, só não conseguem acabar com o aumento da violência, de usuários de crack. Itabuna hoje é uma das cidades mais violentas do Brasil. Por isso digo que estamos num período que as instituições sociais políticas estão absorvendo ideologias religiosas de grande alienação, misturando tudo de novo. Tudo o que não agradar aos olhos da divindade tem de ser extirpado, e se não obedecer, recairá um castigo sobre aqueles que não seguirem as normas.
Isso é uma justificativa muito apelativa. Ante a tragédia, o horror, a perda de entes queridos, o choque que tudo isso causa nos tornam sensíveis a ponto de qualquer conforto que ser oferecido ao ser humano ser absorvida sem questionamento. Estão sedentos por alguma coisa que os acomodem, que tragam de volta à racionalidade. E quem só assiste a esses eventos, essas catástrofes? Também se angustiam, se desesperam, se sentem incomodadas com a situação, mesmo que tenha acontecido a quilômetros de distância. Por isso, tentam criar uma capa de proteção, algum instrumento que isolem de todas as assolações porque o fato de ter acontecido em outro lugar não impede que aconteça em outra localidade. E procurar uma capa é procurar um culpado, e achando um culpado, atenua-se a culpa.
O carnaval é um período de festividades em que a maioria das pessoas tomam a libertinagem por preceito. Diversão e Lazer é a lei, é claro, com dinheiro no bolso. Como disse, não gosto do carnaval, e, portanto, não posso dizer mais do que se encontra no imaginário popular. É uma festa profana, secular, onde se encontra todos os prazeres carnais para todos os gostos. A festa tem todas as características para ser tomada como culpada de provocar a ira e/ou tristeza divina e conceder e/ou promover os castigos sobre os homens.
Vivemos em tempos de difíceis entendimentos, no qual a emoção se sobrepõe à razão. Há uma angústia social provocada pela incerteza futura. Nunca o ser humano se sentiu tão angustiado quanto a futuro. A selva está crescendo e os seres humanos estão voltando a serem os lobos de seus próximos. Simplesmente, desistiram de contestar, jogaram a toalha branca, e estão deixando para a justiça divina a resolução das coisas terrenas. Os mais velhos tem nostalgia dos tempos de outrora, por isso, percebe-se que são esses os que mais culpam o carnaval pelas transformações dos tempos. Os mais jovens estão cerceados por esta nostalgia. Entre os mortos e os insensatos, soçobram os atônitos que não querem achar culpados, mas entender porque as pessoas deixaram de construir o futuro na tentativa de viver intensamente o presente e amenizar o impacto dos momentos vindouros. Incertezas. Culpemos tudo, só não culpemos a ganância humana.

sábado, 5 de março de 2011

DESARMADO

Por Humberto Rodrigo

  "Panoptiqueiros" de plantão: o post dessa semana será um pouco diferente. Carnaval aí bombando e nada mais normal que uma análise socio-político dessa festa que hoje, é a maior do mundo. Refletindo sobre a folia (que para muitos é como a virada de ano, afinal no Brasil o ano começa após o carnaval) deparei-me com o vídeo de uma jornalista paraibana e fiquei "desarmado". Eu, muito provavelmente, não encontraria palavras melhores para expressar com tanta maestria o que o carnaval, DITA festa democrática, se tornou. Depois de assistí-lo vi que melhor que dissertar seria postá-lo. Sem mais delongas, o post dessa semana vai com os crédito para a Jornalista Raquel Sheherazade:

  

sábado, 19 de fevereiro de 2011

O Elogio da Bizarrice



 Por André Andrade

Não quero imitar o Erasmo de Roterdã, e muito menos incitar-se em seu sarcasmo e ironia presente em sua obra, O Elogio da Loucura. Pretendo direcionar os mais verdadeiros elogios às bizarrices que costumamos encontrar em nosso cotidiano. O fato é: por que o povo passou a dar valor a músicas que não tem nenhum sentido (aprioristicamente falando)? Dito isto, não quero levar em consideração a música em seu estilo, mas em seu conteúdo, e o que está em voga não é bem a música em si, mas o valor depositado a elas. Todo caos tem sua ordem, se compreendida, então não podemos olhar esses eventos de forma depreciativa, como eu mesmo já fiz, confesso, chegando a dizer que tais aberrações são desprovidas de significância. Retificarei meu erro.
                As cosmologias das classes desfavorecidas nos dão dados que justificam a valorização de músicas depravadas, sem sentido, sem letra, contudo, relevantes quando interligadas à vida que a pobreza os relegam. De fato, observamos um aumento considerável destes gêneros musicais, mas aí não podemos deixar de entrever interesses mercantis que exploram essas formas de lazer que essas classes degustam. Nesse sentido, não quero dizer que a pobreza condiciona as pessoas a cultuar músicas “bizarras”, mas que sua baixa condição econômica restringe seu universo fazendo com que tendenciosamente, passem a criar gosto por esses tipos de músicas, o que não impede de criar outros gostos, o que dependerá de influências de outras pessoas e outros fatores infinitamente apontáveis.
                O que se passa é que a grande maioria dessas pessoas que “curtem” músicas bizarras são pessoas que não puderam dar prosseguimento em seus estudos, tem ritmo de trabalho bastante intenso, quando não, trabalham informalmente, são subempregados e tem sempre de estar a “dar duro” para que não falte comida em casa. Nesse contexto, o lazer desses estão resumidas ao sexo, televisão, música e cerveja, de maneira geral. Ouvi no ônibus de um senhor que “a única coisa que o rico não tirou do pobre foi fazer menino”. É claro que o senhor citado se refere ao prazer libidinoso que o sexo lhe permite, sendo uma conseqüência nada agradável o “menino” a que ele se refere. A falta de instruções, como diversos benefícios gratuitos que se encontram nos postos de saúde para que se evite uma gravidez não planejada levam os mais pobres a praticar sexo de forma descuidada, aumentando as dificuldades com o aumento da família.
                Quero deixar bem claro que tudo isso são especulações. Não há comprovações científicas para tais deduções. No entanto, essas observações não são infundadas. Ensinei numa modalidade de ensino em que 98% das mulheres, num universo de 110, na faixa etária de 18 a 29 anos, deixaram a escola por gravidez indesejada. Digo indesejada porque não faziam parte dos planos da maioria engravidar ao iniciarem (precocemente) a vida sexual ativa. Dessas, 90% tem dois ou mais filhos e tiveram os mesmos na adolescência. Quanto aos homens, nessa mesma modalidade de ensino, 90% deles deixaram o colégio para trabalhar e sustentar mulher e filho, tendo os outros de deixarem de estudar por necessidades que já vivenciavam. A maioria desses também tiveram filhos na fase da adolescência.
                Trago esses dados não só para mostrar que se faz necessário uma política educacional de orientação sexual por parte das escolas e quebrar esse tabu de não falar de sexo para os adolescentes, haja vista que as conseqüências são mais graves. Com isso, quero justamente falar dessas conseqüências: a formação da típica família de baixa renda. Sem o alicerce da educação, comprometidos com a família, os pais estão agora condicionados a uma vivência derradeira, isso para não falar da excessiva incidência de pais que abandonam suas crias. Ora, qual é a ligação do gosto por músicas bizarras e condição de pobreza em que estão inseridas essas típicas famílias? O lazer lhes foi tolhido. As precárias condições econômicas lhes permitem a ter acesso a cd’s/dvd’s piratas, a shows de 5,00 a 10,00 reais, a cerveja mais barata, a TV aberta, ao sexo cuja dependência se encontra somente na convenção dos parceiros. Todo o universo dos grupos sociais desfavorecidos está condicionado ao cerco que sua condição econômica lhes permite.
Nessa perspectiva, há de se fazer um esforço incondicional de compreender porque as pessoas de classe baixa não dão importância a MPB, Bossa Nova, o Rock questionador, a Chico Buarque, Tom Jobim dentre muitos outros. Lhes faltam cultura? A essa pergunta, dedico-lhe um veemente NÃO. Se disséssemos sim, então colocaríamos o termo cultura em íntima relação com a condição econômica, já que quem tem acesso a essa cultura são as classes mais favorecidas. Então estou querendo dizer que as músicas bizarras são culturais? Sim, pois, se as mesmas são desprovidas de sentido, as classes desfavorecidas lhes outorgam uma significância, a saber, o lazer!
                Diante de tantas dificuldades, privações, intempéries que uma vida de apertadas condições financeiras passa, as músicas que lhes são divertidas, de ritmos alegres, cujas letras, em sua maioria, falam de amor mesclado com sexo, quando não totalmente depravadas ou sem letras mesmo, formam, imbricadas com o sexo, cerveja e televisão, a conjuntura que fundam a coesão social das camadas mais pobres.
O senso comum dispensa letras críticas e criativas para valorizar as poesias libidinosas, em que a bebida, contos e tragédias amorosas somados a uma batida musical no qual requebram-se os quadris são elementos categoriais presentes nas aqui chamadas músicas bizarras a qual satisfazem os desejos momentâneos e a baixo custo. Tal dispensa não permite dizer que a classe pobre não tem cultura, pois o que não se tem são costumes provenientes de outra esfera econômica. Tudo bem que o que nos irrita e faz com que não reflitamos acerca do assunto é o fato de em toda lugar encontrarmos essas músicas sendo tocadas, não precisando nem sair de casa pra ter contato com as mesmas. Toda essa constância é realmente irritante, mas como diria o velho Durkheim, não deixe que tudo isso suba à cabeça, fazendo com isso um hercúleo esforço de compreender a pertinência de tais fatos em nosso meio. Todavia, dizer que isso não é cultura é um preconceito, porque isso é uma construção coletiva humana em que se procura fundamentar a existência com o que se tem.
Certo. Então, deixo esclarecer alguns pontos obscuros desta breve reflexão. 1°- Chamo de Músicas Bizarras músicas que em geral não tem nenhum intuito de criticidade e muito no quesito diversão, descontração, curtição etc. 2°- Muitos devem estar se perguntado, - Sim André, muito bonito o seu argumento, mas como fica a questão de pessoas de outras camadas sociais curtirem a música bizarras, como os estudantes universitários, que em sua maior parte provém de uma classe média. Ora minha gente, estamos falando de cultura, uma categoria que é carregada de dinamismo, interação, e não uma coisa estanque. E mesmo assim, hipoteticamente falando, se questionarmos boa parte de pessoas dessa classe, perceberemos que muitos ouvem ou já ouviram músicas de outro tipo que não as bizarras. E se curtem este tipo de música, curtem pelo mesmo motivo dos mais pobres, lazer, e que vão em busca da azaração, já que em festas com músicas bizarras sempre se avolumam pessoas com o mesma motivação já citadas aqui. E isso é uma prova de que a cultura dos mais pobres tem uma grande significância a ponto de atrair pessoas de outras estirpes econômicas e sociais. 4°- Não quero estar aqui estereotipando nenhum conjunto social, pois, como já havia dito, não são fenômenos estanques, estando sempre em devir. Meu intuito é quebrar com essa idéia de que tal coisa é cultural e tal não é, polêmica que não se esgotaria em um texto. 5°- e por último, não deixemos de entrever nas ações os interesses econômicos. Se só toca esses tipos de músicas nos bares, na rádio, na TV, é porque tem de atrair pessoas para consumirem cerveja e darem audiência. Tem uma música que prova que estou com alguma razão quanto toda esta minha ladainha, a da banda Psirico, chamada firme e forte. Opinião minha, uma das melhores músicas elaborada por um grupo musical baiano, pois fala de uma realidade de pobreza, fé e esperança, realidade esta totalmente consonante com a vida de grande parte das pessoas de baixa renda. No entanto, a música não repercutiu grande sucesso, aliás, somente parte da música fez sucesso, a parte do refrão que diz: Êee chuá chuá, ê chuá chuá.

Tchubirabirom pra tod@s!

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Foucault no Oriente Médio



Por Humberto Rodrigo

O quê os recentes acontecimentos no Oriente Médio e Michel Foucault têm em comum? Na leitura de A Ordem do Discurso, dentre outras coisas, Foucault trata do discurso e do poder que vem inerente a ele. Quem tem o “direito” de discursar? Para ter esse direito é necessário ser versado em técnica. Na Tunísia (onde a série de movimentos contra os governos “déspotas” tiveram início) um feirante ateou fogo ao próprio corpo. A idéia deste texto é co-relacionar esses dois eventos.
Na Grécia antiga o direito de discurso era dado a todo cidadão ateniense: nas grandes assembleias aberta ao público, todos os cidadãos tinham direito a voz. Um direito que era equitativo à todos, entretanto aí já se nota um esboço do binômio discurso\poder, uma vez que como o discurso era destinado aos cidadãos, aos que estavam fora dessa casta nada restava a não ser seguir o que fora imposto. A partir da Roma antiga, e mais ainda da idade Média, a relação entre discurso e poder cada vez mais foi se intensificando: em Roma com o imperador, nos feudos com a Igreja detentora da “verdade” incontestável, na modernidade com o discurso burguês. Hoje na pós-modernidade (em breve texto sobre que diabos é isso de pós-modernidade) o discurso ganhou forma e técnicas apropriadas: tem que ser metricamente fluente, obedecer regras, embasado teoricamente... Mas essa influência não é de agora vem de longa data: desde o século XVI com René Descartes. No entanto, desde Descartes, e mais ainda com o surgimento das universidades, a tendência foi cada vez mais o discurso se transformar em uma arte dotada de técnica que deve ser milimetricamente seguida. O que Foucault chama atenção é que o discurso quanto mais técnico menos acessível ele se torna: o discurso é diferenciador e localizador. Ele diz tanto quem você é, quanto de onde veio. Ora o discurso de um catedrático é radicalmente diferente de um vendedor de sapatos, por exemplo. Assim como, pelo discurso dos dois é possível localizar o extrato o social que cada um pertence. Foucault não fala dos extratos sociais, pelo menos não diretamente, mas deixa um paralelo bastante pertinente ao falar daquelas que ele chamou de “sociedades do discursos”, que nada mais eram que grupos que detinham certo método específico em recitar poemas. Embora a intenção seja de recitar o poema, o conhecimento da técnica era guardado a fio, destinado a uns poucos. Há um papel extremamente delimitado entre aquele que fala e o que escuta, papel esse que não pode ser trocado jamais. E é verdade, olhem a nossa sociedade: quem discursa usa terno e gravata, quem escuta usa, quiçá, “jeans e tênis”. E o interessante é que nesse caso não é “a verdade” que está em jogo e sim o método, o poder de convencimento, seja ele pela eloquência e retórica ou, seja pela força bruta. E o grande exemplo disso é Galileu Galilei ao mostrar que a Terra não era o centro do universo, entretanto, fora obrigado a se retratar publicamente porque o discurso (e com isso o poder) era ditado pela Igreja. O que interessava não era a verdade em si, mas a ratificação e a subserviência àquilo que se pregava na época. Palavras bonitas valem mais do que verdades perfeitas. Essa disparidade abismática entre esses dois sub-extratos (o que fala e o que ouve) é dificilmente transponível, mantendo certa estabilidade com o passar dos tempos.
Nos últimos dois meses temos visto uma verdadeira revolução no Oriente Médio. Tunísia, Egito, Jordânia... Vários países estão se rebelando contra os regimes autoritários e anti-democráticos. Mas você sabe como se deu início isso tudo? Na Tunísia com um feirante que ateou fogo ao corpo. Qual o sub-extrato de um feirante: o que fala ou que ouve? O referido feirante sempre tinha que dar (e por “dar” entendam-se se deixar ser saqueado) parte de sua produção a policias. Por várias vezes reclamou a autoridades do governo e nenhuma atitude fora tomada. Cansado disso ateou fogo ao próprio corpo, para que o seu discurso fosse ouvido. Dias depois faleceu. E dessa atitude vemos a eclosão das revoltas no Oriente Médio. A grande arma dos governos autoritários é exatamente o de concentrar em si a arte – e todo o poder – inerente ao discurso. Quem vai dar ouvidos a um feirante? Qual o sub-extrato de um feirante?
O discurso e a classe social estão intimamente associados. O dinheiro está para o poder, assim como poder está para o discurso. Na verdade o dinheiro até compra o discurso: cada vez mais se o vê o crescimento de assessorias de impressa. Quem tem o poder não fala, paga para que falem por ele. O discurso de quem habitualmente só ouve, só tem valor quando proferido por uma ampla maioria. Mas, como já dizia Pareto, é imensamente difícil mobilizar de forma organizada uma grande massa. Só quando eventos extraordinários (e, geralmente, trágicos como o feirante tunisiano) ocorrem e que há uma mobilização organizada. A Ordem do Discurso (novamente salientando que foi feito um recorte de uma parte específica do livro) foi escrito em 1970, muito do que Foucault chamou atenção está acontecendo hoje, 41 anos depois. O trágico disso tudo é que certamente muitos feirantes ainda atearão fogo ao próprio corpo, para serem "ouvidos".

sábado, 29 de janeiro de 2011

Vigiar ou Punir?




Por Humberto Rodrigo

Como é de conhecimento geral da população, é fato que o sistema carcerário brasileiro está chegando a um estágio de estrangulamento singular. A população carcerária no Brasil gira em torno de 500 mil detentos, sendo que desses, mais da metade é reincidente em delitos. Grupos de direitos humanos reivindicam a melhoria das condições dos internos. Já para a população, quanto pior forem as condições de vida dos presidiários pior para eles, afinal se estão lá é porque de fato merecem estar. Esse embate sucinta a questão a respeito da função social dos presídios: afinal presídio é para ressocializar ou punir?
Celas apertadas, comida de péssima qualidade e tratamento da pior espécie. Essa é a realidade da imensa maioria dos presídios brasileiros. Sob essa condição os grupos de direitos humanos alegam que o detento ao invés de aprender a lição, sai ainda pior do que entrou. O tratamento dado aos condenados (apesar de em teoria sim, na prática) não diferencia o ladrão de supermercado do ladrão de banco: ambos ocupam o mesmo espaço. A falta de uma divisão, que realmente seja efetiva, tende mais para corromper o primeiro do que para redimir segundo. O argumento é que o convívio com os presos de alta periculosidade aliado à falta de um programa que ressocialize o detento faria com que o ladrão “comum” cedesse aos encantos de uma vida criminosa de alto padrão. Logo, o mais importante seria que se criasse mecanismos que reeducassem esse detento ao convívio social, fazendo com que o mesmo optasse por uma vida longe dos crimes. No outro extremo dessa linha está aqueles que defendem que preso é preso e ponto final. Se eles estão lá, é porque fizeram por merecer. Não chegam ao extremo de defender que se deveria trancá-los e deixá-los à própria sorte, sugestão do “Coronel Nascimento”. Porém é uma situação no mínimo indignante vermos que em algumas penitenciárias os com finados têm regalias tipo spa’s, oficinas onde a cada três dias trabalhados é reduzido um dia de sua pena e oficinas de capacitação de mão-de-obra. Como dizer à família que teve uma perda irreparável, que o seu algoz tem recebido benefícios como esses? Benefícios tais que às vezes nos trazem a sensação de que é mais vantagem estar preso do que solto (crianças, desconsiderem isso).
Tendo por base esse pano de fundo ressurge a questão, mas dessa vez levando em conta o caráter da realidade brasileira: Afinal, qual a função social do presídio: ressocializar o detento ou puni-lo? Ressocializar? Ora, o processo de ressocialização passa pela a idéia de reeducação, e reeducar passa pela idéia de informar. Então por que não termos televisão em casa sela? Afinal, bem ou mal, a televisão ainda é o maior meio de informação do país. Ah, a função é de punir! ? Certo, então por que não adotarmos o sistema de prisão perpétua? Exclui-se a pena de 30 anos e vamos para o sistema prisão vitalícia e ainda ampliaremos a quantidade de solitárias. Aliado a isso, vamos cortar o banho de sol e reduzir a quantidade de visitas para apenas uma por mês, evitando assim, a completa animalização.
É de conhecimento popular o ditado que reza que “prevenir é melhor do que remediar”, e hoje se sabe que um detento custa ao Estado nada menos que dez vezes mais caro que um aluno. Por essa óptica, seria imensamente mais vantajoso vigiar (ressocializar) do que punir. O Estado agiria em duas frentes de investida: uma na educação de base, onde teria a função de trazer uma educação onde o aprendiz teria qualificação necessária para pleno desenvolvimento de carreira. A segunda frente seria nos presídios, com iniciativas que permitissem ao preso se readequar à sociedade se utilizando de mecanismos como oficinas de capacitação e complementação do ensino básico. No entanto isso não faria com que extinguisse a criminalidade. O crime, como já adiantara Durkheim, nunca deixará de existir. Mais: em certa medida ele é útil (isso mesmo, útil) à sociedade. Então o que fazer com os detentos que não se ressocializaram e aqueles praticantes de crimes hediondos? Deveria, então, o sistema penitenciário ter as duas funções? Saciaríamos o problema do que fazer com ex-presidiários que não conseguem empregos e voltam à vida criminosa, assim como ficaríamos, também, com o sentimento de justiça tão esquecido nos dias de hoje. Há acuse de estar sendo bem funcionalista, entretanto, uma instituição tal qual uma penitenciária é uma autarquia funcionalista e como tal, tem na execução do seu papel social a sua excelência. Vigiar ou punir? Os dois!!!

Em tempo, peço perdão aos caros leitores pelo texto mea-boca. É meio como aquele jogador que estava em férias e precisa retomar o ritmo dá coisa. É que a pressão para postagem de um texto estava imensa não é mesmo..., ANDRÉ?!?!

O Respeito Mútuo


Por André Andrade
Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”
O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry

Dando prosseguimento à problemática extraída da conclusão do texto anterior, trataremos agora desta delicada questão que é o respeito mútuo. Usando somente a palavra respeito, estaremos individualizando as ações humanas que se relacionam socialmente com outros seres humanos. Destarte, para que as pessoas ajam com respeito uma com as outras, é preciso que haja reciprocidade dos gestos de apreço que se estará imprimindo ao próximo. A mutualidade é que irá reforçar nossa motivação de agir respeitosamente com os outros.
As premissas dessa “lei” moral se desdobram em diversas formas: a violência gera violência, não deseje ao próximo o que você não quer para si, que advém da máxima muito usada pelo pensador inglês Thomas Hobbes, não faça ao próximo aquilo que você não gostaria que fizessem consigo. Tudo isso se traduz em que toda ação ofensiva que lançamos ao próximo tira de nós o direito de ser respeitado. E esses fundamentos são claramente observáveis desde a antiguidade como nos é representado pela Lei do talião, a base do código de Hamurabi, antigo rei babilônico. O olho por olho, dente por dente não nos passa a idéia somente de que os crimes cometidos pelas pessoas serão devolvidos da mesma forma como punição de seus atos. Quer acima de tudo evidenciar que o que é façamos de pior ao próximo será refletido para nós, de modo que assim se experimente o dissabor que nossa ação causou a outrem, ou seja, sintamos na pele. É o famoso ditado “o feitiço virou contra o feiticeiro” transformado numa lei jurídica. 
Contudo, o que nos impele a respeitar o nosso próximo? Como respeitar convicções contrárias a nossas?  Qual a garantia que temos de que nossas crenças serão respeitadas pelos outros assim como respeitamos as deles? E, qual o nosso interesse em respeitar as crenças alheias as nossas?
Opa, esta última reflexão-problema-pergunta deflagrou o que estava implícito nesta discussão acerca do respeito mútuo. Se concordarmos com a afirmação da última frase do primeiro parágrafo, devemos esclarecer nossa intencionalidade quanto à reciprocidade dos gestos condescendentes. Respeitamos os outros para que nos respeitem ou respeitamos porque é certo? A primeira assertiva denota o sentido de interesse, de que queremos em troca o respeito depositado a outrem, logo, estamos visando o eu, e não o nós. Já a segunda dá a intenção de gesto voluntário, ou seja, respeitar a outrem sem olhar a quem. É o embate da Utilidade fútil x Voluntarismo útil.
Para levarmos adiante as dúvidas exprimidas anteriormente, devemos levar em conta tais considerações. É lógico que nos sentiremos muito mais confortáveis de respeitarmos as convicções alheias às nossas se as nossas forem respeitadas. Entretanto, esta prerrogativa será lançada as favas (2ª vez que uso esse jargão..) quando as nossas crenças forem insultadas, caso sigamos o princípio utilitarista. É por isso que disse que a mutualidade é um REFORÇO, e não a força maior que gera a motivação do respeito recíproco.
O ser humano é um animal muito maleável (e tem gente que se sente insultado ao ser chamado de animal, pois o que nos diferencia dos outros bichos é o que nos deixa maleável). Por mais que ajamos de forma voluntária, nada nos garante que, ao sermos ofendidos, não acionemos o lado utilitarista e defendamos as nossas crenças colocando-as superiores às do ofensor. A fagulha de todos os conflitos se encontra nessa flexibilidade que traz a possibilidade de escolher ser útil ou voluntário quanto aos nossos gestos e ações.
Com isso, não direi que somos maus ou bons – direi que o mundo nos ensina a sermos utilitaristas, a responder da forma conforme somos atendidos. E que nossos valores (de todas as crenças e costumes) devem nos ensinar a sermos voluntários, para que nos reconheçamos nas outras crenças alheias as nossas, e aprendamos que nenhuma tem o direito de reclamar superioridade em detrimento de outras, pois todas trazem consigo suas verdades que são a ânsia do ser humano pela busca de verdades que não são certezas. Enfim, o respeito mútuo não vem de berço, provém da estima, conhecimento, educação.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A defesa de nossos valores

Por André Andrade



Nossas opiniões provêm de nossas paixões, portanto, emanados de nosso espírito, como afirmava Sartre e muitos outros antes dele. Por isso, levamos às últimas conseqüências aquilo que “sentimos” ser o certo e com isso mandamos a neutralidade axiológica às favas. Todavia, existe coisa mais lógica que essa??? 

Defendemos até onde podemos os nossos ideais, e intrínseco a isso os valores aos quais prezamos. Simples assim: se fazemos parte de determinada instituição, ninguém nunca nos ouvirão desfazendo dela, do contrário, estariamos se desfazendo de nossas opiniões,  de nossas crenças, ou seja, de nós. Podemos tecer críticas internas quanto ao grupo que pertençemos, no entanto, algum engraçadinho que vier dizer coisas sobre o nosso grupo que não nos agrade, não ficaremos satisfeitos. Aqui cabe até aquela piada do argentino que, ouvindo brasileiros falarem das mazelas do país, entrosa-se na conversa tentando fazer coro aos desiludidos que, num passe de mágica, faz aflorar um chauvinismo telúrico tangendo o argentino com suas idéias “contraditórias” a respeito do Brasil.

Os valores são sentimentos categoriais cultivadas pelas pessoas aos  quais alimentam dentro de si seja para aderir-se a coletividades, seja para criar uma identidade razoável que as façam diferirem das outras e assim perceberem que “existem” (eis aí a necessidade de uma boa educação para cumprimentar as pessoas com um bom dia...). 

Existem valores mais restritivos, que variam muito de pessoa para pessoa, e que por isso são os mais polêmicos.  Porém, não quero aqui defender aquela velha idéia retrógada de que política, religião e futebol não se discutem, ao menos no campo científico. Me abstenho de discutir questões injuriosas com pessoas que tomam suas paixões como verdades absolutas. Essas pessoas desconhecem palavras como dialogicidade, alteridade e bom senso. Saem por aí a digladiar suas opiniões e se acaso ostentar alguma titulação, então a razão pousou ali e ali se estabeleceu.

Posso levar um lero com colegas e amigos em que se esteja sendo consideradas as três palavras citadas acima. De outro modo, é infrutífero. No que se ganha em um debate no qual cada quer demonstrar que seu time/partido/religião é o/a melhor? Raiva, perca de tempo, de juízo, e até de vida. SIM!! A defesa de nossos valores é a defesa de nossas vidas, e ninguém vai abrir mão delas num diálogo que conclame toda a sua subjetividade à disputa retórica, e que pode descambar para a física. A desavença habita nestes tipos de diálogos em que não se consideram as três palavras mágicas. Alguém poderá  afirmar que as palavras em voga podem ser resumidas a uma: tolerância; opinião sensata a qual concordo veementemente. 

Faço essa palestrada toda porque presenciei nos períodos eleitorais discussões totalmente infantilizadas porque colocavam-se em pauta opiniões infundadas que levava o “apaixonado sem base” a fomentar céleres formulações sem nenhum fim, sem nenhuma relevância. É como a briga de galos em Bali, como relatou Geertz, no qual as opiniões são os galos, e não importa de que forma tresloucada as coloque, não estou visando o conteúdo, o que quero é ganhar dos adversários. Mas, aonde isso vai nos levar? Prefiro não comentar.

Os ídola baconiano estão à solta em nossos tempos, e a des-coletivização da vida humana se torna um perigo iminente em tal conjuntura. Seria caso de estarmos voltando ao nosso estado de natureza (se é que esse estado existiu!) porque defenderemos até a morte, se for preciso, aquilo que consideramos como os valores ideais? Entretanto, isso já num acontece, pois o que é o fundamentalismo religioso senão a imposição de valores de determinada religião a outros indivíduos de outras religiões? 

Como já disse, é a coisa mais normal do mundo o indivíduo defender aquilo que acha certo, que segue, que fuma, que faz, porém tudo começa a fugir da normalidade quando os indivíduos que possuem um denominador comum começam a impor suas paixões aos outros indivíduos que divergem das opiniões que o grupo consonante quer impor.

Com isso, quero dizer duas coisas.1- vamos parar com essa besteira de dizer “-fulano defende isso porque faz isso; -beltrano concorda com aquilo porque pertence à mesma laia”, pois isso é um TRUÍSMA (essa palavra é necessária nessa situação) e, se repetir isso é uma redundância inconveniente, achar nisso a causa daquilo que se defende é assumir inteira falta de reflexão e querer isentar-se de debates que prezem pela tolerância.

2- Mais que isso, perguntemo-nos, o que é que as pessoas têm de aprender primordialmente? Bem, essa é a problemática maior que ponho em discussão e, portanto, mais complexa, o que me levar a fazer uso do a meu ver. A meu ver, e isso todo mundo sabe de cor, precisamos de respeito mútuo. Certo, mas o Panóptico Social não está interessado em repetir o mundo de fadas desses jargões que todos repetem em mensagens bonitas (como faz certa apresentadora), mas ninguém respeita. Entretanto, não quero deixar exausta/o a/o cara/o leitora/o. Não é essa a nossa pretensão, e como já disse o pai de Humberto, pensar requer calma e tempo, então, posterguemos essa discussão para um próximo post.

P.S: Aos caros leitores, seria caso de começarmos um movimento “Cadê o Humberto” aos mesmos moldes do “Cadê o Belquior”? Aguardo comentários.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Cordial vem de Colonial

Por André Andrade


“Somos um povo acolhedor”, “Somos um povo festivo, alegre”, somos um povo com uma forte mentalidade de colonizado!!! Sim, temos de estar sempre de braços abertos, sorrindo e sambando para os gringos e as gringas aqui se sentirem “acolhidos”. Insistimos na mesma e velha história: “- A nossa cidade é uma cidade que está sempre de portas abertas para acolher os visitantes”. Bem, entendo que uma cidade que se afirme assim deveria ter antes de tudo acolhido os seus pra depois abraçar os estranhos. Todavia, as praças ainda estão cheios de pessoas nascidas em sua própria terra natal sem experimentar essa cordialidade do povo brasileiro.
                O  intelectual que advogou sobre o homem cordial que é o brasileiro e seu livro mais conhecido, Raízes do Brasil, não teve a preocupação em analisar os rizomas que despontavam de suas raízes. Eu sei que dessa forma estaria pedindo muito, já que é um dos primeiros livros em que se preocupa em estudar e descrever aquela que seria a identidade de uma possível nação brasileira, para que usufruíssemos da unicidade brasílica, sentimento que faltava (e é claro, ainda falta) no Brasil de outrora. Não quero culpar o Sergio Buarque de Holanda por ter “inculcado” essa idéia da cordialidade do brasileiro, afinal, esse grande pensador brasileiro é um dos nossos melhores nomes para entendimento dessa complexa (e perplexa) história de nosso país. Contudo, ao falar do homem cordial como uma das grandes características identitárias do Brasil, ele está falando sim das Raízes do Brasil, mas de um Brasil Colônia, e não do Brasil enquanto projeto de país independente da exploração estrangeira, que é o que sua idéia de cordialidade, a meu ver, vem provar.
Repito que não pretendo estar aqui desprezando o trabalho hercúleo de se pensar e articular categorias identitárias que demonstrassem as raízes originariamente brasileiras, e desse modo, despertar não um chauvinismo (que a gente só vê quando a seleção de futebol joga), mas um patriotismo nacional, pois o que se via na virada do século XIX para o XX era um forte regionalismo imperando neste país continental. No entanto, entrevendo que a tese do Buarque de Holanda nos mostra que somos um povo de caracteres marcadamente colonizado, é de se pensar as causas que nos fazem ainda propagar essa noção da cordialidade, de cidade acolhedora. Será que foi uma idéia que colou e que hoje existe de forma oca? O que é a cordialidade em um sistema capitalista? Um mero bom dia???
Penso ser essa cordialidade de efeitos bastante maléficos para os estrangeiros que passam por aqui. Os mais ávidos acham que podem passar a mão em qualquer mulher e levar ela pra cama. Os mais complacentes acham que podem deixar seus utensílios na areia da praia enquanto vai comprar uma água de coco porque entre esse povo benevolente ninguém “mexeria” em suas coisas. Pior ainda para nós que temos que cordialmente (sic de soluço) temos nos curvar a toda a gringação e fingir nosso acolhimento para que se deixe por aqui pela terra brasilis seus dólares e euros.
Dizendo isso, não quero estar também afirmando que o brasileiro é o pior das espécies, mas justamente quero questionar isso: o grande mal que são as generalizações. O SBH começou um belo trabalho, pelas raízes, temos que continuar, seguindo agora pelos rizomas.