sábado, 29 de janeiro de 2011

Vigiar ou Punir?




Por Humberto Rodrigo

Como é de conhecimento geral da população, é fato que o sistema carcerário brasileiro está chegando a um estágio de estrangulamento singular. A população carcerária no Brasil gira em torno de 500 mil detentos, sendo que desses, mais da metade é reincidente em delitos. Grupos de direitos humanos reivindicam a melhoria das condições dos internos. Já para a população, quanto pior forem as condições de vida dos presidiários pior para eles, afinal se estão lá é porque de fato merecem estar. Esse embate sucinta a questão a respeito da função social dos presídios: afinal presídio é para ressocializar ou punir?
Celas apertadas, comida de péssima qualidade e tratamento da pior espécie. Essa é a realidade da imensa maioria dos presídios brasileiros. Sob essa condição os grupos de direitos humanos alegam que o detento ao invés de aprender a lição, sai ainda pior do que entrou. O tratamento dado aos condenados (apesar de em teoria sim, na prática) não diferencia o ladrão de supermercado do ladrão de banco: ambos ocupam o mesmo espaço. A falta de uma divisão, que realmente seja efetiva, tende mais para corromper o primeiro do que para redimir segundo. O argumento é que o convívio com os presos de alta periculosidade aliado à falta de um programa que ressocialize o detento faria com que o ladrão “comum” cedesse aos encantos de uma vida criminosa de alto padrão. Logo, o mais importante seria que se criasse mecanismos que reeducassem esse detento ao convívio social, fazendo com que o mesmo optasse por uma vida longe dos crimes. No outro extremo dessa linha está aqueles que defendem que preso é preso e ponto final. Se eles estão lá, é porque fizeram por merecer. Não chegam ao extremo de defender que se deveria trancá-los e deixá-los à própria sorte, sugestão do “Coronel Nascimento”. Porém é uma situação no mínimo indignante vermos que em algumas penitenciárias os com finados têm regalias tipo spa’s, oficinas onde a cada três dias trabalhados é reduzido um dia de sua pena e oficinas de capacitação de mão-de-obra. Como dizer à família que teve uma perda irreparável, que o seu algoz tem recebido benefícios como esses? Benefícios tais que às vezes nos trazem a sensação de que é mais vantagem estar preso do que solto (crianças, desconsiderem isso).
Tendo por base esse pano de fundo ressurge a questão, mas dessa vez levando em conta o caráter da realidade brasileira: Afinal, qual a função social do presídio: ressocializar o detento ou puni-lo? Ressocializar? Ora, o processo de ressocialização passa pela a idéia de reeducação, e reeducar passa pela idéia de informar. Então por que não termos televisão em casa sela? Afinal, bem ou mal, a televisão ainda é o maior meio de informação do país. Ah, a função é de punir! ? Certo, então por que não adotarmos o sistema de prisão perpétua? Exclui-se a pena de 30 anos e vamos para o sistema prisão vitalícia e ainda ampliaremos a quantidade de solitárias. Aliado a isso, vamos cortar o banho de sol e reduzir a quantidade de visitas para apenas uma por mês, evitando assim, a completa animalização.
É de conhecimento popular o ditado que reza que “prevenir é melhor do que remediar”, e hoje se sabe que um detento custa ao Estado nada menos que dez vezes mais caro que um aluno. Por essa óptica, seria imensamente mais vantajoso vigiar (ressocializar) do que punir. O Estado agiria em duas frentes de investida: uma na educação de base, onde teria a função de trazer uma educação onde o aprendiz teria qualificação necessária para pleno desenvolvimento de carreira. A segunda frente seria nos presídios, com iniciativas que permitissem ao preso se readequar à sociedade se utilizando de mecanismos como oficinas de capacitação e complementação do ensino básico. No entanto isso não faria com que extinguisse a criminalidade. O crime, como já adiantara Durkheim, nunca deixará de existir. Mais: em certa medida ele é útil (isso mesmo, útil) à sociedade. Então o que fazer com os detentos que não se ressocializaram e aqueles praticantes de crimes hediondos? Deveria, então, o sistema penitenciário ter as duas funções? Saciaríamos o problema do que fazer com ex-presidiários que não conseguem empregos e voltam à vida criminosa, assim como ficaríamos, também, com o sentimento de justiça tão esquecido nos dias de hoje. Há acuse de estar sendo bem funcionalista, entretanto, uma instituição tal qual uma penitenciária é uma autarquia funcionalista e como tal, tem na execução do seu papel social a sua excelência. Vigiar ou punir? Os dois!!!

Em tempo, peço perdão aos caros leitores pelo texto mea-boca. É meio como aquele jogador que estava em férias e precisa retomar o ritmo dá coisa. É que a pressão para postagem de um texto estava imensa não é mesmo..., ANDRÉ?!?!

O Respeito Mútuo


Por André Andrade
Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”
O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry

Dando prosseguimento à problemática extraída da conclusão do texto anterior, trataremos agora desta delicada questão que é o respeito mútuo. Usando somente a palavra respeito, estaremos individualizando as ações humanas que se relacionam socialmente com outros seres humanos. Destarte, para que as pessoas ajam com respeito uma com as outras, é preciso que haja reciprocidade dos gestos de apreço que se estará imprimindo ao próximo. A mutualidade é que irá reforçar nossa motivação de agir respeitosamente com os outros.
As premissas dessa “lei” moral se desdobram em diversas formas: a violência gera violência, não deseje ao próximo o que você não quer para si, que advém da máxima muito usada pelo pensador inglês Thomas Hobbes, não faça ao próximo aquilo que você não gostaria que fizessem consigo. Tudo isso se traduz em que toda ação ofensiva que lançamos ao próximo tira de nós o direito de ser respeitado. E esses fundamentos são claramente observáveis desde a antiguidade como nos é representado pela Lei do talião, a base do código de Hamurabi, antigo rei babilônico. O olho por olho, dente por dente não nos passa a idéia somente de que os crimes cometidos pelas pessoas serão devolvidos da mesma forma como punição de seus atos. Quer acima de tudo evidenciar que o que é façamos de pior ao próximo será refletido para nós, de modo que assim se experimente o dissabor que nossa ação causou a outrem, ou seja, sintamos na pele. É o famoso ditado “o feitiço virou contra o feiticeiro” transformado numa lei jurídica. 
Contudo, o que nos impele a respeitar o nosso próximo? Como respeitar convicções contrárias a nossas?  Qual a garantia que temos de que nossas crenças serão respeitadas pelos outros assim como respeitamos as deles? E, qual o nosso interesse em respeitar as crenças alheias as nossas?
Opa, esta última reflexão-problema-pergunta deflagrou o que estava implícito nesta discussão acerca do respeito mútuo. Se concordarmos com a afirmação da última frase do primeiro parágrafo, devemos esclarecer nossa intencionalidade quanto à reciprocidade dos gestos condescendentes. Respeitamos os outros para que nos respeitem ou respeitamos porque é certo? A primeira assertiva denota o sentido de interesse, de que queremos em troca o respeito depositado a outrem, logo, estamos visando o eu, e não o nós. Já a segunda dá a intenção de gesto voluntário, ou seja, respeitar a outrem sem olhar a quem. É o embate da Utilidade fútil x Voluntarismo útil.
Para levarmos adiante as dúvidas exprimidas anteriormente, devemos levar em conta tais considerações. É lógico que nos sentiremos muito mais confortáveis de respeitarmos as convicções alheias às nossas se as nossas forem respeitadas. Entretanto, esta prerrogativa será lançada as favas (2ª vez que uso esse jargão..) quando as nossas crenças forem insultadas, caso sigamos o princípio utilitarista. É por isso que disse que a mutualidade é um REFORÇO, e não a força maior que gera a motivação do respeito recíproco.
O ser humano é um animal muito maleável (e tem gente que se sente insultado ao ser chamado de animal, pois o que nos diferencia dos outros bichos é o que nos deixa maleável). Por mais que ajamos de forma voluntária, nada nos garante que, ao sermos ofendidos, não acionemos o lado utilitarista e defendamos as nossas crenças colocando-as superiores às do ofensor. A fagulha de todos os conflitos se encontra nessa flexibilidade que traz a possibilidade de escolher ser útil ou voluntário quanto aos nossos gestos e ações.
Com isso, não direi que somos maus ou bons – direi que o mundo nos ensina a sermos utilitaristas, a responder da forma conforme somos atendidos. E que nossos valores (de todas as crenças e costumes) devem nos ensinar a sermos voluntários, para que nos reconheçamos nas outras crenças alheias as nossas, e aprendamos que nenhuma tem o direito de reclamar superioridade em detrimento de outras, pois todas trazem consigo suas verdades que são a ânsia do ser humano pela busca de verdades que não são certezas. Enfim, o respeito mútuo não vem de berço, provém da estima, conhecimento, educação.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A defesa de nossos valores

Por André Andrade



Nossas opiniões provêm de nossas paixões, portanto, emanados de nosso espírito, como afirmava Sartre e muitos outros antes dele. Por isso, levamos às últimas conseqüências aquilo que “sentimos” ser o certo e com isso mandamos a neutralidade axiológica às favas. Todavia, existe coisa mais lógica que essa??? 

Defendemos até onde podemos os nossos ideais, e intrínseco a isso os valores aos quais prezamos. Simples assim: se fazemos parte de determinada instituição, ninguém nunca nos ouvirão desfazendo dela, do contrário, estariamos se desfazendo de nossas opiniões,  de nossas crenças, ou seja, de nós. Podemos tecer críticas internas quanto ao grupo que pertençemos, no entanto, algum engraçadinho que vier dizer coisas sobre o nosso grupo que não nos agrade, não ficaremos satisfeitos. Aqui cabe até aquela piada do argentino que, ouvindo brasileiros falarem das mazelas do país, entrosa-se na conversa tentando fazer coro aos desiludidos que, num passe de mágica, faz aflorar um chauvinismo telúrico tangendo o argentino com suas idéias “contraditórias” a respeito do Brasil.

Os valores são sentimentos categoriais cultivadas pelas pessoas aos  quais alimentam dentro de si seja para aderir-se a coletividades, seja para criar uma identidade razoável que as façam diferirem das outras e assim perceberem que “existem” (eis aí a necessidade de uma boa educação para cumprimentar as pessoas com um bom dia...). 

Existem valores mais restritivos, que variam muito de pessoa para pessoa, e que por isso são os mais polêmicos.  Porém, não quero aqui defender aquela velha idéia retrógada de que política, religião e futebol não se discutem, ao menos no campo científico. Me abstenho de discutir questões injuriosas com pessoas que tomam suas paixões como verdades absolutas. Essas pessoas desconhecem palavras como dialogicidade, alteridade e bom senso. Saem por aí a digladiar suas opiniões e se acaso ostentar alguma titulação, então a razão pousou ali e ali se estabeleceu.

Posso levar um lero com colegas e amigos em que se esteja sendo consideradas as três palavras citadas acima. De outro modo, é infrutífero. No que se ganha em um debate no qual cada quer demonstrar que seu time/partido/religião é o/a melhor? Raiva, perca de tempo, de juízo, e até de vida. SIM!! A defesa de nossos valores é a defesa de nossas vidas, e ninguém vai abrir mão delas num diálogo que conclame toda a sua subjetividade à disputa retórica, e que pode descambar para a física. A desavença habita nestes tipos de diálogos em que não se consideram as três palavras mágicas. Alguém poderá  afirmar que as palavras em voga podem ser resumidas a uma: tolerância; opinião sensata a qual concordo veementemente. 

Faço essa palestrada toda porque presenciei nos períodos eleitorais discussões totalmente infantilizadas porque colocavam-se em pauta opiniões infundadas que levava o “apaixonado sem base” a fomentar céleres formulações sem nenhum fim, sem nenhuma relevância. É como a briga de galos em Bali, como relatou Geertz, no qual as opiniões são os galos, e não importa de que forma tresloucada as coloque, não estou visando o conteúdo, o que quero é ganhar dos adversários. Mas, aonde isso vai nos levar? Prefiro não comentar.

Os ídola baconiano estão à solta em nossos tempos, e a des-coletivização da vida humana se torna um perigo iminente em tal conjuntura. Seria caso de estarmos voltando ao nosso estado de natureza (se é que esse estado existiu!) porque defenderemos até a morte, se for preciso, aquilo que consideramos como os valores ideais? Entretanto, isso já num acontece, pois o que é o fundamentalismo religioso senão a imposição de valores de determinada religião a outros indivíduos de outras religiões? 

Como já disse, é a coisa mais normal do mundo o indivíduo defender aquilo que acha certo, que segue, que fuma, que faz, porém tudo começa a fugir da normalidade quando os indivíduos que possuem um denominador comum começam a impor suas paixões aos outros indivíduos que divergem das opiniões que o grupo consonante quer impor.

Com isso, quero dizer duas coisas.1- vamos parar com essa besteira de dizer “-fulano defende isso porque faz isso; -beltrano concorda com aquilo porque pertence à mesma laia”, pois isso é um TRUÍSMA (essa palavra é necessária nessa situação) e, se repetir isso é uma redundância inconveniente, achar nisso a causa daquilo que se defende é assumir inteira falta de reflexão e querer isentar-se de debates que prezem pela tolerância.

2- Mais que isso, perguntemo-nos, o que é que as pessoas têm de aprender primordialmente? Bem, essa é a problemática maior que ponho em discussão e, portanto, mais complexa, o que me levar a fazer uso do a meu ver. A meu ver, e isso todo mundo sabe de cor, precisamos de respeito mútuo. Certo, mas o Panóptico Social não está interessado em repetir o mundo de fadas desses jargões que todos repetem em mensagens bonitas (como faz certa apresentadora), mas ninguém respeita. Entretanto, não quero deixar exausta/o a/o cara/o leitora/o. Não é essa a nossa pretensão, e como já disse o pai de Humberto, pensar requer calma e tempo, então, posterguemos essa discussão para um próximo post.

P.S: Aos caros leitores, seria caso de começarmos um movimento “Cadê o Humberto” aos mesmos moldes do “Cadê o Belquior”? Aguardo comentários.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Cordial vem de Colonial

Por André Andrade


“Somos um povo acolhedor”, “Somos um povo festivo, alegre”, somos um povo com uma forte mentalidade de colonizado!!! Sim, temos de estar sempre de braços abertos, sorrindo e sambando para os gringos e as gringas aqui se sentirem “acolhidos”. Insistimos na mesma e velha história: “- A nossa cidade é uma cidade que está sempre de portas abertas para acolher os visitantes”. Bem, entendo que uma cidade que se afirme assim deveria ter antes de tudo acolhido os seus pra depois abraçar os estranhos. Todavia, as praças ainda estão cheios de pessoas nascidas em sua própria terra natal sem experimentar essa cordialidade do povo brasileiro.
                O  intelectual que advogou sobre o homem cordial que é o brasileiro e seu livro mais conhecido, Raízes do Brasil, não teve a preocupação em analisar os rizomas que despontavam de suas raízes. Eu sei que dessa forma estaria pedindo muito, já que é um dos primeiros livros em que se preocupa em estudar e descrever aquela que seria a identidade de uma possível nação brasileira, para que usufruíssemos da unicidade brasílica, sentimento que faltava (e é claro, ainda falta) no Brasil de outrora. Não quero culpar o Sergio Buarque de Holanda por ter “inculcado” essa idéia da cordialidade do brasileiro, afinal, esse grande pensador brasileiro é um dos nossos melhores nomes para entendimento dessa complexa (e perplexa) história de nosso país. Contudo, ao falar do homem cordial como uma das grandes características identitárias do Brasil, ele está falando sim das Raízes do Brasil, mas de um Brasil Colônia, e não do Brasil enquanto projeto de país independente da exploração estrangeira, que é o que sua idéia de cordialidade, a meu ver, vem provar.
Repito que não pretendo estar aqui desprezando o trabalho hercúleo de se pensar e articular categorias identitárias que demonstrassem as raízes originariamente brasileiras, e desse modo, despertar não um chauvinismo (que a gente só vê quando a seleção de futebol joga), mas um patriotismo nacional, pois o que se via na virada do século XIX para o XX era um forte regionalismo imperando neste país continental. No entanto, entrevendo que a tese do Buarque de Holanda nos mostra que somos um povo de caracteres marcadamente colonizado, é de se pensar as causas que nos fazem ainda propagar essa noção da cordialidade, de cidade acolhedora. Será que foi uma idéia que colou e que hoje existe de forma oca? O que é a cordialidade em um sistema capitalista? Um mero bom dia???
Penso ser essa cordialidade de efeitos bastante maléficos para os estrangeiros que passam por aqui. Os mais ávidos acham que podem passar a mão em qualquer mulher e levar ela pra cama. Os mais complacentes acham que podem deixar seus utensílios na areia da praia enquanto vai comprar uma água de coco porque entre esse povo benevolente ninguém “mexeria” em suas coisas. Pior ainda para nós que temos que cordialmente (sic de soluço) temos nos curvar a toda a gringação e fingir nosso acolhimento para que se deixe por aqui pela terra brasilis seus dólares e euros.
Dizendo isso, não quero estar também afirmando que o brasileiro é o pior das espécies, mas justamente quero questionar isso: o grande mal que são as generalizações. O SBH começou um belo trabalho, pelas raízes, temos que continuar, seguindo agora pelos rizomas.