Por André Andrade
Sei que foi bom, que já passou, mas ainda estamos em tempo de falar do carnaval, e não, eu não pulei carnaval. Na verdade não é sobre carnaval que quero falar, quero falar de uma coisa que foi muito intensa nesse primeiro bimestre, e que traz como conseqüência o carnaval. Primeiro, vamos aos fatos.
No início do ano todos nós acompanhamos a tragédia na região serrana do Rio de Janeiro devido a uma grande incidência das chuvas em um curto período de tempo. Tal catástrofe provocou deslizamentos de terra, inundações e outros transtornos que ceifou a vida de centena de cariocas. Todo o mundo acompanhou aos fatos chocados com as notícias que abriram o ano contrariando nossos pedidos de esperanças e felicidades para todos.
As explicações acerca das catástrofes da natureza não tem boa aceitação para boa parte da razão popular. Todavia, o que me assustou foi o fato de ter imputado a causa desta tragédia ao carnaval, sendo que faltava ainda cerca de um mês e meio para as festividades começarem. Não sou carnavalesco, tenho pavor de multidão e não estou defendendo, muito menos se desfazendo do mesmo, mas essa conexão que as pessoas fazem entre fenômenos naturais e festas profanas e castigo do sagrado é uma construção mental muito curiosa.
Essa curiosidade no Brasil se torna singular por causa das enchentes no sul/sudeste que ocorrem sempre em fim e início de ano. Geralmente, é São Paulo que se destaca nesse quesito. As cidades paulistanas nunca estão preparadas para as chuvas de verão que cuja pluviosidade todo ano é constante nos mesmo meses, ou seja, tem-se bem formada a idéia de quando vai chover muito e provocar todos os transtornos que vamos continuar a ver enquanto o PSDB não tomar medidas drásticas no cenário paulistano. Curioso é que isso acontece no período que se aproxima do carnaval, o que “justifica” a equação pensada pelo senso comum: carnaval = tragédia.
Somam-se a esses fenômenos os incêndios ocorridos na cidade do samba que destruiu boa parte do material de algumas escolas de samba. O clímax disto tudo foi o caso do trio que recebeu uma descarga que matou cerca de 15 pessoas no momento que o bloco de pré-carnaval fazia a folia das pessoas em Minas Gerais. Além disso, temos os fenômenos secundários que aumentam nesse período como os acidentes nas rodovias, e que o povo teima a justificar: - é culpa do carnaval.
Engraçado, na Austrália tem carnaval? Não sei. Digamos que sim, e perceberemos que a lógica popular não bate: lá teve enchentes provocadas pelas chuvas concomitante às do Rio. Digamos que não, e a lógica mesmo assim não engrena: lá morreram dezenas, e não centenas como aqui.
Então, o que acontece é muito intrigante: as pessoas estão deixando de pedir justificativa ao poder público, e culpando o carnaval. Mais do que isso, se renderam a esta culpa.
Sei que não se pode evitar as fatalidades, mas as explicações sobrenaturais estão invadindo nossas vidas de tal forma que penso diante da iminência de uma nova idade média, e mais forte (ideologicamente) do que nunca.
Em Itabuna, acabaram com o carnaval, só não conseguem acabar com o aumento da violência, de usuários de crack. Itabuna hoje é uma das cidades mais violentas do Brasil. Por isso digo que estamos num período que as instituições sociais políticas estão absorvendo ideologias religiosas de grande alienação, misturando tudo de novo. Tudo o que não agradar aos olhos da divindade tem de ser extirpado, e se não obedecer, recairá um castigo sobre aqueles que não seguirem as normas.
Isso é uma justificativa muito apelativa. Ante a tragédia, o horror, a perda de entes queridos, o choque que tudo isso causa nos tornam sensíveis a ponto de qualquer conforto que ser oferecido ao ser humano ser absorvida sem questionamento. Estão sedentos por alguma coisa que os acomodem, que tragam de volta à racionalidade. E quem só assiste a esses eventos, essas catástrofes? Também se angustiam, se desesperam, se sentem incomodadas com a situação, mesmo que tenha acontecido a quilômetros de distância. Por isso, tentam criar uma capa de proteção, algum instrumento que isolem de todas as assolações porque o fato de ter acontecido em outro lugar não impede que aconteça em outra localidade. E procurar uma capa é procurar um culpado, e achando um culpado, atenua-se a culpa.
O carnaval é um período de festividades em que a maioria das pessoas tomam a libertinagem por preceito. Diversão e Lazer é a lei, é claro, com dinheiro no bolso. Como disse, não gosto do carnaval, e, portanto, não posso dizer mais do que se encontra no imaginário popular. É uma festa profana, secular, onde se encontra todos os prazeres carnais para todos os gostos. A festa tem todas as características para ser tomada como culpada de provocar a ira e/ou tristeza divina e conceder e/ou promover os castigos sobre os homens.
Vivemos em tempos de difíceis entendimentos, no qual a emoção se sobrepõe à razão. Há uma angústia social provocada pela incerteza futura. Nunca o ser humano se sentiu tão angustiado quanto a futuro. A selva está crescendo e os seres humanos estão voltando a serem os lobos de seus próximos. Simplesmente, desistiram de contestar, jogaram a toalha branca, e estão deixando para a justiça divina a resolução das coisas terrenas. Os mais velhos tem nostalgia dos tempos de outrora, por isso, percebe-se que são esses os que mais culpam o carnaval pelas transformações dos tempos. Os mais jovens estão cerceados por esta nostalgia. Entre os mortos e os insensatos, soçobram os atônitos que não querem achar culpados, mas entender porque as pessoas deixaram de construir o futuro na tentativa de viver intensamente o presente e amenizar o impacto dos momentos vindouros. Incertezas. Culpemos tudo, só não culpemos a ganância humana.
Meu avô sempre disse que antigamente as pessoas eram mais gentis, que nao tinha tanta violencia, que eram tempos de alegria. Quase ilusão. Lembramos do tempo de outrora como belo, virtuoso, feliz. Abstrações provocadas pelos problemas do presente.O passado quase sempre foi assim, talvez pela falta de mais gente tivesse menos violencia. Mas, por que deixamos de ir a luta, cobrar atitudes ou ao menos sermos a atitude que esperamos? Deixamos de entender o espirito de cooperação. Cansei da teoria. Quero a prática. Ser a atitude que queremos ver.
ResponderExcluirABRAÇO