Por André Andrade
Tudo começou como uma brincadeira. Não tenho prazer em assistir TV, mas reconheço que devemos ir além de nossas vontades se quisermos criar vínculos sociais e enturmar-se com seus grupos. Certo, aceitei abrir mão de minha estranheza com a TV, mas logo que me sentei frente à dita cuja me lembrei dos motivos que me fizeram deixar de dar atenção a este hipnotizante aparelho.
Não é preciso ser um bom observador para perceber as distorções. Nas novelas, empregadas são negras e patrões são brancas. No “barraco” da favela sempre rola um churrasco confraternizador que fortalece a unidade da “comunidade” e nessa cena todas personagens são negras . Num desses realitys shows instantâneos de concurso de modelo, percebe-se a presença de uma negra mais como forçosamente encaixada no esquema do programa do que escolhida espontaneamente. Começo a contar quantas pessoas negras aparecem em propagandas e logo desisto, pois não se vê nenhuma. De repente, eis que surge uma representação destacável da africanidade em algum papel de novela, mas aí nota-se algumas singularidades imputadas ao seu papel. Normalmente é uma personagem com qualidades pouco estimáveis, quando não, são totalmente padecidos, precisando de ajuda dos brancos. As novelas esforçam-se em serem politicamente corretas (sic! 3x) mas distorcem a estética negra ao tornarem lisos os cabelos crespos. E quando uma atriz negra protagonizou certa novela, era da cor do pecado...
Curioso, há pouco vi essa atriz fazendo propaganda para que as pessoas assumissem sua cor NEGRA, por ocasião do censo. É curioso porque ninguém apareceu para fazer o mesmo tipo de propaganda para o branco. Sempre o negro está em questão enquanto que o branco está muito bem em seu lugar, vai tudo tranquilo...se fala em negritude, mas e a branquitude? Se se discute o preconceito contra o negro, é porque existe alguma outra cor que contrasta com essa, no caso, a branca. Se existisse somente uma cor na Terra, não haveria preconceito (pelo menos de cor!)! Aonde quero chegar? Bem, conquanto não colocarmos na pauta de discussões a branquitude, estaremos andando em círculos, pois a solução não está na conscientização de que somos todos iguais, porém diferentes, aforismo este que não se encaixa com a brutalidade do contexto real. Está no fato de por em xeque a cor branca tida como referência. A cor branca se torna referência quando ela é omitida desses debates, quando ela aparece como maioria grotesca na Tv, quando você vai ao shopping e parece que estamos assistindo a Tv. Destrone a branquitude de sua posição de comodidade, e construamos um diálogo onde todos serão expostos, todos serão visados, porque enquanto insistirmos em expor somente a imagem do negro, o alvo será somente o negro, e o arqueiro, o branco...
Fui há algumas semanas no shopping e lá vi uma exposição de fotos com a temática grávidas, e deduzi que em meio a umas 20 fotos, encontraria como se convencionou na TV, ter ao menos uma negra dentre as fotografadas. Deduzi errado. Dessa vez não houve dissimulação, resolveu-se não colocar nenhuma mãe grávida de pele negra na exposição. Dentre todas essas situações observadas eu surtei: -Pô, a gente só vê branco??!!! Estão pregando uma representação de mundo que não condiz com a nossa realidade! Olho ao meu redor e vejo uma miscelânea de cores e matizes que mostram a força de nossa miscigenação. Do cabelo às unhas do pé, estamos imersos numa confluência de fenótipos que nos tornam indistinguíveis uns dos outros. Aí eu vejo crianças brancas tomando sorvetes e crianças negras engraxando sapatos. Jovens brancos com mochilas e jovens negros com flanelinhas. O doutor é branco e o analfabeto é negro. Sei que alguma coisa tem mudado, mas as disparidades ainda são gritantes, basta ter um olhar estatístico...
Vi um panfleto na universidade que tratava do recente fato da mãe de santo que teve seu terreiro invadido por policiais sofrendo com isso agressões e discriminações dos milicos. O fato se tornou conhecido e foi parar até nas mesas do governador. O folhetim gritava: não vemos policiais invadindo igrejas e espancando pastores e padres...
Então, de onde provém o preconceito? No que diz respeito à televisão, a minha opinião é que estamos sendo treinados pra enxergarmos somente branco, e por isso a discriminação se mostra nua e crua nas ruas das cidades, mas quem vai parar pra ver isso?
Não sei se todos concordarão, mas eu acho que a pergunta mais idiota que se possa fazer a um brasileir@ (pra seguir o modismo) é: qual é sua cor. O meu nariz é senegalês...sou miscigenado! Podemos ter um fenótipo de branco e um genótipo de negro e virce-e-versa, afirmam os biólogos. Então, me pergunto, qual é a relevância de perguntar “Qual a sua cor?” pra um brasileiro? Provar que o preconceito está mais vivo do que nunca? Mas pra isso não precisa de questionários, censos, basta assistir televisão.