“Quando eu era pequena sempre ouvi meu pai dizer: ‘filha, estude mais um pouco. Somos negros e, por isso, temos que nos esforçar mais para termos as mesmas oportunidades que os brancos’”. Com este relato de uma colega, inicio o texto desta semana, rememorando o Dia da Consciência Negra comemorado esta semana (20/11). Alguém ainda duvida que a cor da pele é levada em conta como critério de desempate em seleção de emprego? Ledo engano daqueles que acham que não. Essa suposta democracia racial (conceito esse já embebido de preconceito) existe no Brasil, não passa de véu imposto por concepções neoliberais que, com sua delicada aparência, cobre as vistas dos menos atentos, quanto às questões ÉTNICAS patentes na sociedade brasileira.
O mercado de trabalho brasileiro é estritamente machista. Os homens dominam os cargos de comando, têm os salários mais altos e são promovidos mais facilmente. Talvez eu tenha esquecido de dizer que esse é o homem BRANCO. A escala de salários, para trabalhadores de uma mesma função, é decrescente conforme o gênero, mas também conforme a cor (?). Para funcionários de uma mesma função, temos uma variação descendente onde no topo com os maiores salários está situado o homem branco, logo em seguida a mulher também branca (entre esses dois há um significante abismos), próximo, mais ainda atrás, vem o homem o negro e por último a mulher negra. A defasagem salarial entre o homem branco e a mulher negra pode chegar a números exorbitantes. A intenção deste artigo, em especial, não é procurar culpados, mas tão somente desmistificar a idéia de que a convivência entre negros e brancos se dá de maneira igualitária onde ambos desfrutam dos mesmos deveres e direitos. Ora, se todos têm o direito de ir e vir, por que o homem negro é quem sempre é abordado pela policia?
A idéia de que vivemos em uma democracia racial não passa de uma falácia, e uma falácia neoliberal legitimadora de distorções históricas. O interessante é notar como esse sistema é extremamente contraditório em seu discurso. Tomemos um exemplo ao acaso: é fato consensual que há uma diferença gritante entre o percentual de negros e brancos nas universidades públicas e essa diferença remonta desde muito tempo atrás, desde o momento que o primeiro negro pisou o solo tupiniquim como um escravo, privado de qualquer direito. Privado até da sua condição de homem, sendo tratado com uma peça. Ora, mas estamos em uma democracia racial, vamos ao plenário e à câmara requerer que sejam reservadas vagas nas universidades até que essa distorção seja corrigida. Democracia... Cadê você? Você ainda está aí? Não, não está. A democracia racial só existe desde que mantenha tudo exatamente como está, a partir do momento em que há a proposição de correção das deformidades históricas, essa “democracia” se esvai. Afinal, como diriam os mais antigos: “farinha pouca, meu pirão primeiro”.
A discriminação velada vai desde expressões pejorativas do tipo: “a coisa ta preta”; “o mercado negro” dentre outras (não é engraçado não haver expressões desse tipo com a cor branca? Mais: qual a cor da pomba que simboliza a paz e qual a cor do gato que simboliza o azar?), passando pela necessidade da criação de uma lei que obriga que em comerciais televisivos de cada cinco atores pelos menos um seja negro (nem direi que a lei não é cumprida, apenas sugiro dois exemplos: prestem atenção nos comerciais da Vivo e da Skol), e finalmente desembocando em falas que sugerem que “negros, têm preconceitos contra si próprio”. O chamam de “preconceito contra si próprio” é na verdade INTROJECÇÃO. Ora, o menino negro cresce ouvindo expressões que deterioram a sua cor; liga a televisão e assiste programas em que todos os apresentadores são brancos; as crianças juntas aos apresentadores também são brancas. A introjecção não é algo voluntário e/ou deliberado é originária da formação no seio social. Seio esse que é hostil à sua cor, que lhe impõem se esforçar mais e ganhar menos. Tenho uma proposta: deveríamos mudar o nome de Dia da Consciência Negra para dia da Consciência Branca. Seria o dia nacional de acordar pra vida e ver que esses vícios de linguagens perpetuam uma a idéia de que o preto é ruim e o branco é bom. Teriam consciência que a respeito da necessidade das cotas ÉTNICAS como uma medida de médio prazo, afim de sanar a disparidade notória, nas universidades. Seria o dia também, de se perceber que politicamente incorreto é chamar de “moreninho” e não de “negro”, e que a África não é um país, é, antes, um continente que abarca tantos países quanto culturas. Logo, não é possível tratá-la como um bloco homogênico, pois ela não é. E por fim, que se entenda de uma vez por todas que a única raça que existe - respeitando as particularidade de cada etnia - é a RAÇA HUMANA.
O pai daquela colega ao propor-lhe que estudasse mais pelo fato de ela ser negra, talvez o tenha feito pelo reflexo da introjecção, mas talvez por já ter experiência o suficiente para perceber que a sua cor lhe pesava. E esse peso que ela carregaria para o resto da vida lhe traria vários infortúnios, mesmo ela vivendo em uma “democracia racial”. Por saber que sua filha talvez fosse ganhar pouco por ser mulher e menos ainda por ser uma mulher negra. Ao ter essa conversa com ela me lembrei do filme À Espera da Felicidade. Mais especificamente no quando o personagem principal, vivido por Will Smith, tinha conseguido um estágio e se transformara no “menino de recados” do orientador: era ele quem ia buscar o café, era ele quem ia manobrar o carro. Era o único que tinha a necessidade de trabalhar, tinha que fazer a atividade duas vezes melhor além, é claro, de ser o único negro. Pode ser que o pai da referida colega tenha assistido esse filme (acredito que não) e se identificado. Mas, infelizmente, ele ainda está certo: ainda é necessário que estudemos duas vezes mais, pois o peso ainda se faz sentir.
Fraternalmente dedicado à Arilene Soares.
A-M-E-I!!!!
ResponderExcluir:-)
Owww meu Deus!!!! Tomei um susto quando cemecei a ler!!! srsrsrs
Assisti esse filme, é angustiante!!!
Thanks!!!