Por André Andrade
A Lagoa Encantada é um desses lugares escondidos que guarda uma imensa beleza natural em seu interior. Beleza que vislumbra os olhos de quem atravessa (pela primeira vez) um ramal de barro batido ladeado por mata (atlântica) e faz pouco caso do que o espera. Um pedaço do paraíso esquecido, habitado por uma população carente que em sua maior parte depende da Lagoa, seja através da pesca ou do turismo, para sobreviver. Quem nos alerta sobre o pedido de socorro pelo qual a Lagoa clama é seu ilustre morador, o Poeta. Em seu barco, onde trabalha fazendo o translado de turistas para as ainda mais escondidas cachoeiras encantadoras, Poeta dá uma aula sobre o materialismo histórico na prática, talvez sem saber. A lagoa, encantadoramente o tomou como sua porta-voz.
Situada na cidade de Ilhéus (outro paraíso escondido) no sentido Norte, ao adentrar no ramal que indica o acesso à Lagoa Encantada, nos deparamos com um povoado e a Lagoa, duas personagens que chamam a atenção. O povoado nos passa uma imagem de carência, não tanto pela condição financeira dos moradores que se pode perceber ao visitar a Escola ali inserida, pelos estudantes que a compõem e as dificuldades econômicas que tornam difíceis a luta pela escolarização dos mesmos. A carência que pode ser melhor notável em um dia de visita à comunidade da Lagoa é a de Políticas Públicas. É evidente a situação de abandono e descaso que a Prefeitura de Ilhéus tem para com os Lagoenses. E não há prova maior do que a relatada pelo seu morador mais enlevado da comunidade, o Poeta. Segundo o mesmo, nesse ano ocorreu de eles ficarem confinados por um mês no povoado, sem condições de saída por conta das chuvas que tornam a estrada de barro intransponível. Nenhum ônibus entrava ou saia. Pescadores não puderam ir vender seus peixes nas feiras, estudantes ficaram sem poder ir a Escola, pois aqueles que já estão no ensino médio têm de ir para o meio urbano, fora o turismo que parou!
O Poeta reclama do esquecimento a qual foram entregues. No caso da estrada, o problema poderia ser amenizado espalhando cascalho pela pista, facilitando assim o acesso à Lagoa. Porém, Poeta já se desiludiu com tais iniciativas. Dono de um restaurante e dois barcos, orgulha-se de ter conseguido tudo isso com esforços de seu próprio trabalho, frutos do “suor sagrado do seu rosto”, como já disse outro poeta. Desiludido não porque fraquejou ou porque nunca lutou. Poeta relata que sempre esteve a frente de reivindicações que trouxessem melhorias para a sua comunidade e para a Lagoa. Lutou por programas que qualificassem os residentes para assistência aos turistas, incentivos para instrução dos pescadores, cuja falta de conhecimento (da probabilidade de extinção do pescado) os levam a praticar a pesca predatória, cujos peixes em fases de reprodução são capturados, impossibilitando o aumento dos cardumes, e a luta pela resolução do problema da estrada. E foi por exigir que sofreu perseguições, ameaça de morte, tendo sofrido o roubo do motor de um de seus barcos que foi encontrado enterrado próximo das redondezas. Foi ameaçado até por professores, segundo ele, universitários, quando denunciou o desmatamento ilegal da floresta que margeia a lagoa.
Ouviu da boca das próprias autoridades o desinteresse em investir na Lagoa Encantada. Diante disso, o Poeta perdeu as esperanças de ver alguma mobilização por parte do Poder Público para ajudar a comunidade lagoense. Faz agora dos versos, da arte de poetizar, uma forma de denunciar a calamitosa situação o qual se encontram. Nas estrofes de SOS Lagoa, aponta-se a imagem do homem que explora até as últimas conseqüências, a Lagoa que clama por socorro. A defesa do homem pela natureza é contrastada pelo repúdio do homem que se coloca contra a natureza. O Poeta sabe ouvir o langor da lagoa que descansa e chora a noite das crueldades sofridas ao dia. Só a alma compadecida de um poeta para entender a angústia da natureza. Poeta ainda teme as forças maiores que rondam a Lagoa cheia de interesses privacionistas. Ele teme chegar o dia em que o capital privado domine a localidade e expulse toda a comunidade lagoense de suas moradias e a Lagoa se transforme numa propriedade privada. Apesar de suas angústias, as deduções do Poeta são as mais prováveis de se acontecer, pois se explicitamente vemos o desinteresse do poder público em investir e cuidar do local, isso significa caminho livre para o capital privado se instalar e se apoderar desse patrimônio natural. Certa vez vi uma reportagem que falava de um projeto de infra-estrutura que havia sido apresentada à prefeitura de Ilhéus há dez anos por um engenheiro para a melhoria da Lagoa. A reportagem falava que depois de dez anos de insistência, o engenheiro resolveu apresentá-lo a certa empresa privada que não só aprovou a idéia como deu aval para o mesmo prosseguir no desenvolvimento do projeto. O desprezo do poder público oportuniza iniciativas privadas.
Mesmo sabendo dos problemas e das projeções nada agradáveis as quais a Lagoa Encantada pode estar destinada, Poeta desistiu de exigir, ao ver que sua vida estava sendo posta em perigo, pois tem duas filhas e uma esposa pra sustentar, e depois, percebeu que estava só nessa batalha pela melhoria da comunidade. Não é uma desilusão por covardia, é uma desilusão que prioriza a existência. Pergunto-me quantas pessoas que lutaram e morreram na revolução russa de 1917 não se desiludiram ou se revolveram debaixo da terra ao ver no que deram seus esforços: a ditadura de Stalin, suas atrocidades e perseguições. Em alguns minutos de travessia em seu barco, Poeta nos mostra como se dão os conflitos, os embates, as lutas da classe dos trabalhadora contra os interesses privados, (afinal, os desinteresses da instância pública deve ter seus motivos bem patrocinados) tudo isso na prática, e perto de nós. Poeta traduz as lamentações da Lagoa aos que a visitam, e pede socorro.
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