domingo, 27 de março de 2011

As Ilusões Perdidas de Honoré de Balzac - A força da Pena


Por André Andrade

Antes de iniciar, gostaria de deixar claro que não pretendo ser aqui um crítico literário. E a prova disso é que ninguém que pleiteie tal mérito inicia sua carreira falando de um clássico como Ilusões Perdidas, do vociferante Honoré de Balzac. A maestria com que este grande escritor descreve o poder devastador da mídia de sua época é um ponto marcante dessa obra, e que entre os diversos assuntos abordados, é a que mais transparece a raiva pessoal do escritor para com esta corja  de assassinos da arte. Esse é o foco deste texto, o poder exercido pela mídia desde seus primórdios, segundo Balzac.
Em linhas gerais, a obra, que faz parte de uma grande coletânea de narrativas intituladas A Comédia Humana, narra a história de um poeta que também escreve prosa nascido na provinciana região da França, a cidade de Angoulême, e que por isso mesmo não vê um futuro brilhante caso não se arrisque a tentar vender sua arte na capital parisiense. A vaidade é a marca de Lucien Chardon, que por ser pobre, não esconde seu desejo de atrair para si fama e riqueza. Ao chegar em Paris, Lucien se vê abandonado por aquela que lhe prometeu ajuda em Angoulême, uma instruída mulher que também tentar ascender dentro da linhagem nobre, planos estes cuja ligação com Lucien somente atrapalharia seus objetivos. Renegado, humilhado ante a “Alta Sociedade” e com dificuldades financeiras, Lucien arrisca sua genialidade de escritor aventurando-se nas redações dos jornais. Ele faz amizades sinceras que o aconselham a esperar, a não se corromper em um meio tão imundo como o midiático, conselhos que ele dispensa pelo fato de sua ansiedade, alimentada pela vaidade desastrosa, não deixar que ele perca mais nenhum dia vivendo em miséria.
É claro que a história não se resume a Lucien Chardon, todavia, para nosso intento, esta breve colocação já basta para nos situarmos na crítica mais ferrenha que Balzac tece em sua obra. Em sentido amplo, duas frases contidas no livro podem nos dar uma visão estrutural da obra: “A inteligência é a alavanca com a qual se move o mundo. Mas uma outra voz gritava-lhe que o ponto de apoio da inteligência era o dinheiro”. Essa é a peleja das personagens pobres da história, tendo genialidade de sobra, lhes faltavam dinheiro para apoiarem tamanho talento.  O que o nosso poeta provinciano foi procurar em Paris querendo achar logo de imediato foi reconhecimento e apoio$. Não conseguindo no tempo hábil que planejava, e vendo suas economias evaporarem, foi a procura de algum redator que lhe concedesse espaço em algum jornal para sobreviver.
É a partir desse acontecimento, o ingresso de Lucien na área jornalística, como crítico de peças e de livros, é que Balzac expõe o poder de uma mídia corrupta, que não tem apreço pelo material que se analisa, e sim pelo preço que pagarão pela crítica. Como resume a fala de Loustoeau, jornalista que introduziu Lucien no jornalismo, a seu pedido, “a polêmica é o pedestal das celebridades”. O inocente Lucien, que alimentava um alma de poeta, não conseguiu entender este mundo escarnecedor retratado na narrativa balzaquiana, e foi por não entender que sucumbiu (a volta de Lucien a sua cidade natal  é de uma humilhação indescritível, aliás, descritível somente por Balzac).
Todo artista, escritor, atores e atrizes, donos de teatros, tinham de manter um forte vínculo com algum jornalista, vínculo este mantido por um jogo de barganhas. Aqueles que se negassem a tal empreendimento teriam suas obras, suas artes desqualificadas nas letras da imprensa. O público então respondia com a repulsa à obra, cuja leitura dos jornais lhes indicava as orientações das melhores artes a serem apreciadas, e as piores a serem desamparadas, ou seja, aquelas que os jornalistas queriam que fossem aceitas ou desprezadas. O efeito das colunas dos jornais era instantâneo. Uma peça de teatro da alta qualidade poderia ser transformada à força da pena na pior espécie de peça que já existiu. E uma peça de baixa qualidade poderia ter seus salões lotados, conforme a força da pena. Então era assim, as pessoas não apreciavam a arte, mas a opinião do jornalista.
Efeitos mais devastadores se encontravam no mercado editorial. Ao custeio para edição de livros os editores tinham de somar os custos com o jornalista que teceria a “crítica”. O editor que não aceitasse a barganha veria seus investimentos afundarem com os livros parados nas prateleiras das livrarias, processo este que poderia ser revertido com a aceitação das condições impostas ao editor. O próprio Lucien conseguiu extorquir um certo editor que não queria aceitar ler e editar sua coletânea de poemas, As Margaridas. Na loja do editor não foi sequer percebido, todavia, com o poder da pena, fez o negociante de livros se deslocar de sua loja até o jovem poeta pedir que o mesmo revertesse a crítica que fez o seu mais recente lançamento congelar nas estantes.
O pior de tudo era a possibilidade da impessoalidade que o jornal permitia. Balzac resume de forma simples e completa todo o espírito dilacerante dos jornais: “em vez de ser um sacerdócio, tornou-se um meio para os partidos; e de um meio passou a ser um comércio, e como todos os comércios, não tem fé nem lei. Todo jornal é uma loja onde se vendem ao público palavras com as cores que ele deseja. Se existisse um jornal de corcundas, dia e noite provaria a beleza, a bondade, a necessidade dos corcundas. Um jornal não é feito mais pra esclarecer, mas para adular as opiniões. Assim, todos os jornais serão em um dado tempo covardes, hipócritas, infames, mentirosos, assassinos, matarão as idéias, os sistemas, os homens, e por isso mesmo florescerão. Napoleão justificou esse fenômeno moral ou imoral, como desejarem, por meio de uma frase sublime, ditado por seus estudos sobre a Convenção: ‘os crimes coletivos não comprometem ninguém’. O jornal pode se permitir a mais atroz conduta, ninguém sairá pessoalmente maculado”.
Esse é um ponto do romance em que Balzac deixa transparecer toda sua raiva pessoal para com a Imprensa. Ele que sofreu com esse jogo de barganhas, vendo seu talento às dependências de picaretas dos jornais, quis transpor toda essa realidade da modernidade para a literatura, denunciando todo poder de manipulação que os jornalistas passaram a concentrar em suas mãos. Isso em pleno século XIX, auge da Indústria, da mecanização da produção em larga escala, época esta em que a arte se curvava à vontade da pena do redator, não importando se aquele cria ou se este somente faz destoar da situação.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Consciência de Classe? Que Classe?

Por Humberto Rodrigo

“A história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história da luta de classes.”. É com essa célebre frase de se dá início ao primeiro capítulo de O Manifesto Comunista (obra mais de Marx que de Engels). As classes às quais Marx se refere são burguesia e proletariado. Estas, viveriam – ainda segundo o nosso autor – em constante tensão. Mas o que Marx parece não ter percebido é que a briga não é apenas entre burguesia e proletariado. A briga mais intensa, talvez, ocorre intraclasses.
A coerência do pensamento marxista (aqui usado referindo-se diretamente ao autor e não à grupos humanos que se alcunham como tal) é sem dúvidas fantástica: as relações de opressão apontadas por Marx criaram um grande mal estar na zona de conforto em que a burguesia se encontrava. A grande base de fundamentação de suas teorias baseava-se no conceito das lutas de classes. Mas Marx deixa a desejar é quanto a briga interna das classes. Explico: o “povo” não quer ser visto como “povo”. Bourdieu, em O Poder Simbólico, já nos traz a briga que cada classe tem para buscar a sua diferenciação. Enquanto aquele pensou a sociedade como bidimensional, dividindo-se apenas entre burguesia e proletariado, este a vê como uma organização multidimensional. Em Bourdieu já não se fala mais em classes sociais e sim em campo e sub-campos. Pela sua divisão dicotômica, Marx vê a classe social como algo uniforme onde todo o substrato burguês pensa única e exatamente de uma forma e por outro lado, o substrato proletariado, também pensaria de maneira uniforme. Não. Perdoem-me a redundância, mas se estamos falando de classes sociais, estamos falando de pessoas. Apesar de sua genialidade, o autor alemão não se deu conta de que os seres humanos são vaidosos por natureza, a diferenciação lhes dá um ar de superioridade, como o médico que não quer fazer o trabalho da enfermeira, nem esta o papel da técnica de enfermagem, apesar de as funções de todos eles serem relativamente próximas umas das outras. E nada mesma medida que isso se deve pela diferenciação profissional, tambpem se dá no campo do ganho simbólico do “nome” da profissão. Isso é possível ser localizado até programas lúdicos, como o próprio seriado Chaves onde o cenário é uma vila pobre na Cidade do México. Todos têm mais ou menos a mesma condição financeira, no entanto o discurso de Dona Florinda em referência à Seu Madruga é: “Vamos tesouro. Não se misture com essa gentalha.” Na concepção marxista tal fala não seria possível uma vez que ali é o proletariado falando para o proletariado. Marx vê o proletariado como um bloco uniforme, e aí está o seu erro.
A idéia de se fazer uma revolução à moda antiga bipartindo a sociedade entre os que têm os meios de produção e os que não têm, se mostra deveras superada. O conceito de habitus também proposto por Bourdieu é que mais se encaixa no que vemos hoje de sociedade. Não há sentido em dividir a sociedade em dois blocos, sendo que não há uniformidade entre eles. Proletariado não é só proletariado. O erro de Marx foi subestimar a capacidade de sonhar e de se diferenciar, existentes no seio da massa. Com pensamento tão heterogêneo e com uma diversidade de sub-campos ocupando o mesmo habitus de uma “classe” acho cada vez mais difícil ver a sugestão do Marx, ao final do livro, se cumprir: “Proletários de todo o mundo, uni-vos”.

sábado, 12 de março de 2011

As dores do Mundo

Por André Andrade


Meu olhar andarilho esbarra-se nas esquinas
Encontra pessoas acomodadas no chão e sob o teto estelar
Um olhar que caminha transpondo o que se vê
Mas não deixa de olhar para trás e se perguntar por quê?

Um palhaço sobe no ônibus e clama atenção
E com um sorriso forçado nos conta sua tristeza
Triste criatura que depende da caridade alheia
A pervesidade do acaso lhe impôs esta condição

As vezes, dá um aperto no coração
De pensar no infortúnio das pessoas
Do sofrimento diário, dessa esperança libertina
Que já não esconde o futuro sem novidade

Por vezes, há de endurecer o frágil coração
Para que não nos desesperemos
Diante desta situação que suga a lucidez ao fundo
Fundo de chão rachado, sertão no mundo

A terra de gente seca invoca aos céus
Por respostas de porque não ter o que comer
A ponto de retirar-se do solo batido
E encarar o asfalto áspero com os pés carcomidos

Um rapaz pede ajuda, uma intera para a graxa
Fazer brilhar os pés do cliente, curvar-se à vaidade
Para juntar dinheiro, e comprar uma sandália
Anda a cidade toda, fugindo da miséria
Que faz ponto nas esquinas
Ignorando a arrogância dos viventes
Perseguindo sem tréguas os que teima em sobreviver

Um pequenino a guiar um cego pede licença
Educado menino que demonstra a feitura das pessoas
Seres movidos por vaidade, repulsiva vaidade
Que só a terra há de aceitar sem regugitar.

Meu eu-lírico digladia-se com meu eu-mundo
Por que tem sido assim?
Por que Eros prevaleceu
E o Ágape empalideceu?

Essas dores errantes, atravessando nossos olhos
A todos instantes, perâmbulos afoitos
Sem achar a razão dessa situação dilacerante.

quinta-feira, 10 de março de 2011

De quem foi a culpa? Ah, foi do Carnaval.


 Por André Andrade


Sei que foi bom, que já passou, mas ainda estamos em tempo de falar do carnaval, e não, eu não pulei carnaval. Na verdade não é sobre carnaval que quero falar, quero falar de uma coisa que foi muito intensa nesse primeiro bimestre, e que traz como conseqüência o carnaval. Primeiro, vamos aos fatos.
No início do ano todos nós acompanhamos a tragédia na região serrana do Rio de Janeiro devido a uma grande incidência das chuvas em um curto período de tempo. Tal catástrofe provocou deslizamentos de terra, inundações e outros transtornos que ceifou a vida de centena de cariocas. Todo o mundo acompanhou aos fatos chocados com as notícias que abriram o ano contrariando nossos pedidos de esperanças e felicidades para todos.
As explicações acerca das catástrofes da natureza não tem boa aceitação para boa parte da razão popular. Todavia, o que me assustou foi o fato de ter imputado a causa desta tragédia ao carnaval, sendo que faltava ainda cerca de um mês e meio para as festividades começarem. Não sou carnavalesco, tenho pavor de multidão e não estou defendendo, muito menos se desfazendo do mesmo, mas essa conexão que as pessoas fazem entre fenômenos naturais e festas profanas e castigo do sagrado é uma construção mental muito curiosa.
Essa curiosidade no Brasil se torna singular por causa das enchentes no sul/sudeste que ocorrem sempre em fim e início de ano. Geralmente, é São Paulo que se destaca nesse quesito. As cidades paulistanas nunca estão preparadas para as chuvas de verão que cuja pluviosidade todo ano é constante nos mesmo meses, ou seja, tem-se bem formada a idéia de quando vai chover muito e provocar todos os transtornos que vamos continuar a ver enquanto o PSDB não tomar medidas drásticas no cenário paulistano. Curioso é que isso acontece no período que se aproxima do carnaval, o que “justifica” a equação pensada pelo senso comum: carnaval = tragédia.
Somam-se a esses fenômenos os incêndios ocorridos na cidade do samba que destruiu boa parte do material de algumas escolas de samba. O clímax disto tudo foi o caso do trio que recebeu uma descarga que matou cerca de 15 pessoas no momento que o bloco de pré-carnaval fazia a folia das pessoas em Minas Gerais. Além disso, temos os fenômenos secundários que aumentam nesse período como os acidentes nas rodovias, e que o povo teima a justificar: - é culpa do carnaval.
Engraçado, na Austrália tem carnaval? Não sei. Digamos que sim, e perceberemos que a lógica popular não bate: lá teve enchentes provocadas pelas chuvas concomitante às do Rio. Digamos que não, e a lógica mesmo assim não engrena: lá morreram dezenas, e não centenas como aqui.
Então, o que acontece é muito intrigante: as pessoas estão deixando de pedir justificativa ao poder público, e culpando o carnaval. Mais do que isso, se renderam a esta culpa.
Sei que não se pode evitar as fatalidades, mas as explicações sobrenaturais estão invadindo nossas vidas de tal forma que penso diante da iminência de uma nova idade média, e mais forte (ideologicamente) do que nunca.
Em Itabuna, acabaram com o carnaval, só não conseguem acabar com o aumento da violência, de usuários de crack. Itabuna hoje é uma das cidades mais violentas do Brasil. Por isso digo que estamos num período que as instituições sociais políticas estão absorvendo ideologias religiosas de grande alienação, misturando tudo de novo. Tudo o que não agradar aos olhos da divindade tem de ser extirpado, e se não obedecer, recairá um castigo sobre aqueles que não seguirem as normas.
Isso é uma justificativa muito apelativa. Ante a tragédia, o horror, a perda de entes queridos, o choque que tudo isso causa nos tornam sensíveis a ponto de qualquer conforto que ser oferecido ao ser humano ser absorvida sem questionamento. Estão sedentos por alguma coisa que os acomodem, que tragam de volta à racionalidade. E quem só assiste a esses eventos, essas catástrofes? Também se angustiam, se desesperam, se sentem incomodadas com a situação, mesmo que tenha acontecido a quilômetros de distância. Por isso, tentam criar uma capa de proteção, algum instrumento que isolem de todas as assolações porque o fato de ter acontecido em outro lugar não impede que aconteça em outra localidade. E procurar uma capa é procurar um culpado, e achando um culpado, atenua-se a culpa.
O carnaval é um período de festividades em que a maioria das pessoas tomam a libertinagem por preceito. Diversão e Lazer é a lei, é claro, com dinheiro no bolso. Como disse, não gosto do carnaval, e, portanto, não posso dizer mais do que se encontra no imaginário popular. É uma festa profana, secular, onde se encontra todos os prazeres carnais para todos os gostos. A festa tem todas as características para ser tomada como culpada de provocar a ira e/ou tristeza divina e conceder e/ou promover os castigos sobre os homens.
Vivemos em tempos de difíceis entendimentos, no qual a emoção se sobrepõe à razão. Há uma angústia social provocada pela incerteza futura. Nunca o ser humano se sentiu tão angustiado quanto a futuro. A selva está crescendo e os seres humanos estão voltando a serem os lobos de seus próximos. Simplesmente, desistiram de contestar, jogaram a toalha branca, e estão deixando para a justiça divina a resolução das coisas terrenas. Os mais velhos tem nostalgia dos tempos de outrora, por isso, percebe-se que são esses os que mais culpam o carnaval pelas transformações dos tempos. Os mais jovens estão cerceados por esta nostalgia. Entre os mortos e os insensatos, soçobram os atônitos que não querem achar culpados, mas entender porque as pessoas deixaram de construir o futuro na tentativa de viver intensamente o presente e amenizar o impacto dos momentos vindouros. Incertezas. Culpemos tudo, só não culpemos a ganância humana.

sábado, 5 de março de 2011

DESARMADO

Por Humberto Rodrigo

  "Panoptiqueiros" de plantão: o post dessa semana será um pouco diferente. Carnaval aí bombando e nada mais normal que uma análise socio-político dessa festa que hoje, é a maior do mundo. Refletindo sobre a folia (que para muitos é como a virada de ano, afinal no Brasil o ano começa após o carnaval) deparei-me com o vídeo de uma jornalista paraibana e fiquei "desarmado". Eu, muito provavelmente, não encontraria palavras melhores para expressar com tanta maestria o que o carnaval, DITA festa democrática, se tornou. Depois de assistí-lo vi que melhor que dissertar seria postá-lo. Sem mais delongas, o post dessa semana vai com os crédito para a Jornalista Raquel Sheherazade: