Por André Andrade
O ato de protestar é, sem dúvida, o ato de maior magnitude do ser humano. Exige coragem, conhecimento de causa e constância pelo que se defende ao ir à luta. Necessita ainda de extremo vigor para suportar a falta de bom senso daqueles que, afetados pelas consequências geradas por conta manifestações e pensando somente em si próprio, ao serem incomodados, agem de maneira hipócrita diante de tais circunstâncias.
Aquele que protesta faz isso porque sofre alguma injustiça, não é assistido pelo poder público e chegando a uma situação de exasperação, busca reivindicar seus direitos como forma de amenizar as agruras que vem passando. Em coletividade, as ações reivindicativas são mais fecundas e incisivas no sentido de que em maior quantidade, o poder de interferência é maior, e por isso se torna impactante, alem de chamar a atenção da sociedade em geral, mesmo que o problema que motiva e desemboca no protesto não incida diretamente sobre os interesses da maior parte dos indivíduos que a compõem.
Faz pouco tempo que vivenciei um fato interessante. Saia do trabalho, na cidade de Ubaitaba, em direção à rodoviária para poder pegar o ônibus e voltar para casa. Na chegada, me deparei com a BR 101 estagnada, cheia de veículos parados na pista e me veio logo a hipótese de ter ocorrido algum acidente. Suposição desfeita ao procurar saber com aqueles que estavam mais informados sobre a questão. Manifestantes fecharam a pista e reivindicavam do governo a melhoria da estrada de chão que leva até as cidades de Taboquinhas e Itacaré. Em péssimas condições, cheia de buracos, e intransponível em dias chuvosos, além do vandalismo que ali se instalou, a estrada é uma vicinal importante por ser um atalho de fluxo constante.
Passados uma hora desde que havia chegado na rodoviária, circularam os boatos de liberação da pista por meia hora, provavelmente fruto de alguma negociação com a polícia federal presente no local e que percebendo a extensão quilométrica de automóveis na BR, devia ter pedido um tempo para os manifestantes e desta forma tentar administrar a situação. Diante da confirmação do boato, todos a bordo no ônibus, era o momento de aproveitar a oportunidade. Custou ao motorista encaixar o ônibus em meio a um trânsito abarrotado de veículos, cena comparável à da marginal Tietê, cena incomum por aqui por essas bandas.
Aproximando-se do epicentro do protesto, enquadrou-se instantânea e involuntariamente em minha visão uma imagem fotográfica fabulosa, cujo título seria, caso conseguisse fazer transcendê-la de minha memória, Os Miseráveis Conscientes. As minhas vistas alcançavam uma caminhonete com sua carroceria cheia de homens, mulheres e crianças com enxadas e biscós em riste. Impressionante, admiravelmente impressionante. Toda aquelas pessoas ali, mobilizaram-se e imobilizaram uma rodovia chamando a atenção de todos pelo descaso o qual estão passando. Incomodaram, e por isso foram notados juntamente com seus problemas. Quietos em suas casas eram imperceptíveis e conviviam abruptamente com um problema que consumiam suas vidas então miseráveis devido às suas condições sociais.
Ao passar em frente aos manifestantes, o passageiro sentado atrás de mim abre a janela e começa a xingá-los, difamando a todos e mandando-os trabalhar ao invés de “estarem ali atrapalhando a vida de quem tem ocupação”. Deprimente. Existe algo mais dignificante do que protestar? O “trabalho digno” só faz manter a ordem que oprime os desassistidos pelas políticas públicas. O protesto é uma turbulência nas engrenagens da sociedade que, desmantelando-a, mesmo por algumas horas, nos fazem pensar que a estabilidade é uma corda frágil e que nada está certo e definido. Abalar a ordem é não concordar com o que está posto, é dizer que numa sociedade as condições justas de vida não estão ao alcance de todos. O ato de protestar é uma quebra das reificações, quando então biscós e enxadas rasgam as camisas de força que o Estado e a sociedade adestrada vestem seus indivíduos.
A cena foi triste, mas era lógico isso acontecer, porque senão poderíamos julgar que as pessoas estão melhores. Além do mais, se não incomodassem, não chamariam a atenção das autoridades políticas. É difícil esperar a compreensão das pessoas e fazer com que reflitam sobre problemas que “não lhes dizem respeito”. Todavia, essa aula de contestação civil tem de ser analisada por outra ótica que não a do alienado, daí a necessidade de sociologar.