quarta-feira, 22 de setembro de 2010

No Afã do Divã, o Homo solitarius

Todas as pessoas não estão em busca do tão sonhado estado de bem estar social. Todas elas estão em busca do buscar, procurando com isso se esquivarem do tédio. A mesmice é repulsiva à natureza humana. E endosso este fato já citando um caso, relatado em Tristes Trópicos, do famigerado antropólogo francês Claude Leví-Strauss, na parte em que ele narra um pouco da vida dos Nambiquara, índios do Brasil Central. Sedentários e nômades, de acordo com as épocas de chuva e de estiagem, para este grupo indígena, a vida se torna mais “vivível” no período nômade, pois, como Leví-Strauss descreve, é o período de maior incerteza no que diz respeito à caça e a coleta de alimentos e também a acontecimentos imprevisíveis. Entendem?!?! Não é espírito aventureiro coisa nenhuma! É que a vida se torna mais animosa quando o outro dia se torna imprevisível, incerto. Para os Nambiquara, a vida sedentária é extremamente tediosa. O próprio antropólogo se agonia com tal estado de marasmo, vida pacata ao qual estão entregues, a ponto de denominá-los de sociedades de formigas gigantes.


Todos querem experimentar novidades, e quando chegam num status de vida em que nada pode ser uma novidade, instaura-se o desespero.

Aí re-reitero o que havia dito acerca da sociedade, é a maior das invenções da humanidade. Digam-me como é que arranjamos tantos motivos para estarmos sempre buscando, se não estivermos implicados dentro deste todo complexo? A sociedade é a grande geradora de buscas. Nela, formamos ideais, objetivos, projetos de vida, de modo que ocupamos nosso tempo com as exigências sintéticas de nós mesmos para com os grupos sociais em que estamos estabelecidos. A concretização de nossos objetivos se torna permissíveis a partir do momento que já construímos outros planos. É sintético, é artificial, ou cultural, como quiserem, mas foram os seres humanos em sociedade que inventaram todo esse aparato para preencherem todo um vazio existencial, tornando opacas certas perguntas pertinentes à essência da vida humana.

Contudo, a sociedade não estende sua estrutura de coesão a todos em todo o tempo de vida. Não me refiro à exclusão social econômica, étnica, pois as lutas pela inclusão nesses campos geram buscas. Aludo à terceira idade. Essa fase da vida é bastante intrigante visto que tal fase não é discutível pelos jovens, adultos, digo discutidos no sentido de serem lembrados, sendo a mesma abominada por essas pessoas de faixas etárias mais joviais. O intrigante é que todos se esquivam das discussões que dizem respeito aos idosos, sendo que é o futuro de todos envelhecerem, presume-se, tendo como outra opção a morte. Somos os primeiros a destratar os senhores e senhoras dos cabelos brancos ao subir o ônibus, ao atravessar a rua, nesse contexto onde a vida é cheia de sentido para muitos, e vazia de sentido para outros. O estereótipo que carregam, cultores de uma vida fastidiosa que somente vêem o tempo passar a espera de uma visita incomum, significa aquilo que as pessoas sempre estão a fugir, se esquivar, e é por isso que nesta fase da vida, os idosos se tornam invisíveis, esquecidos, solitários e então toda a eficiência da sociedade em esconder as perguntas perniciosas da vida humana cai por terra. O único sentido de vida que os idosos encontram na velhice é estarem sempre a valorizar os seus tempos, aqueles de outrora que eram melhores do que os de agora.

E no afã do divã, o Homo solitarius angustia-se ao ver que não tem mais escapatória. O que um dia os acolheu não os acolhe mais. Os afazeres de casa, a cadeira voltada pra rua, os netos e bisnetos, a caminhada matinal, nada vai impedir o ser humano de sentar-se num divã da solidão e se fazer as fatídicas perguntas, relembrar as incômodas dúvidas que em algum momento de sua vida vieram à tona, mas algo mais sintético o desfez de tais perturbações. Bem, cada um com sua idiossincrasia vai lhe dar com a situação do modo que lhe prouver, mas todos terão ao menos a mesma conclusão: não há mais nada para buscar.



P.S.: Não sou nenhum médico social (e existe isso??) muito menos filósofo clínico, mas aprendi uma coisa valiosa que pode amenizar e diminuir certos impactos existenciais: as letras.

Irremediavelmente,

André Andrade

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