Queria escrever um texto sobre minha querida cidade. Não me questionem o fato de eu considerá-la querida para mim, pois essas coisas não se explicam. Nasci em Itabuna, cresci por essas bandas, e mesmo agora que estou morando numa cidade próxima a ela, não me desfaço de minha comiseração por ela. Sei lá, deve ser esse sentimento de pertença que todo ser humano deve ter cuja identidade está ligada ao chão da terra onde nasceu e quer morrer.
Pretendia escrever esse texto e por um título aludindo ao romance do Garcia Marques, os Cien Años de Soledad, só que alguém em algum desses blog-sites de repercussão da região já pegou a idéia no ar. Também não fazia tanta questão, já que faz tempo que li o romance e não me lembro muito do enredo. Tenho algumas lembranças vagas, como a de uma certa personagem da história que foi morta por um tiro no qual o cheiro da pólvora ficou pairando na atmosfera por um bom tempo em Macondo. Nem a distância do túmulo pra cidade conseguia evitar a dispersão do forte cheiro de pólvora. Até o leitor do romance parece sentir o cheiro do pó explosivo. E, falando em fragrâncias fortes, e me reportando a Itabuna, é impossível estabelecer o paralelo com o Rio Cachoeira. Penso ser o maior patrimônio ambiental da cidade, e, no entanto, foi transformado em depositário de excremento humano. Não sou do tempo do Rio que o escritor Cyro de Mattos narrou em seus primeiros poemas dedicados a um rio de outrora, e sim da época dos últimos poemas listados no livro Vinte poemas do Rio. Porém, é compreensível o impacto espiritual que o escritor levou ao ter encontrado um rio totalmente diferente do que ele tinha em sua memória, e traduzir isto em literatura.
Sou da época do Rio Morto, em que as baronesas florescem em seu leito, e ficam presas na ponte do Marabá quando arrancadas por qualquer torrencial, e a prefeitura tem de intervir para retirá-las da base da ponte. O mal cheiro é tão forte e persistente que já se agregou à vida diária do transeunte que passa no entorno por onde o rio corta a Cidade. Poderia se tornar patrimônio imaterial o maldito aroma, para motivo de vergonha da população itabunense, que não percebem no rio uma vida a clamar por socorro. Não vêem nenhuma utilidade para esse afluente que a certo tempo atrás era fonte de renda para muitas populações ribeirinhas, base econômica para muita gente de renda pobre. Mas, quem irá valorizar a história regional, quando se tem de abrir o comércio e fazer circular o capital, existe coisas mais importantes a se fazer do que olhar para um rio desprezível, que desvaloriza a imagem da cidade com esse cheiro putrefato. Aí eu me recordo de um pensamento quando criança, ao contemplar o persistente percurso do Rio em direção ao leste, quando percebi que aquele rio não estava morto, estava apenas a guardar suas mágoas, ao acolher sem questionar a quem as imundícies de seu povo. E então o rio transbordaria de cólera, invadindo a consciência daquela população respondendo na mesma medida o sofrimento a que o impuseram: em forma de tragédia. Riria quando as pessoas começassem a especular que eram os avisos dos fins dos tempos, porque essa tragédia seria uma tragédia premeditada, previsível, e o povo, com seus costumes de culpar as entidades sobrenaturais pelo ocorrido, estariam repetindo a velha fórmula para se eximir da culpa.
Drasticamente,
André Andrade